Sua revista escolar de filosofia.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Aula de Filosofia IERGS

Material de apoio à aula de introdução à Filosofia Geral para a turma SOC 0022, em 15 de junho de 2013, no IERGS, em Porto Alegre.




















quarta-feira, 19 de junho de 2013

A tirania como uma doença da liberdade

No dia primeiro de junho de 2013, proferimos uma pequena palestra no auditório do IERGS, em Porto Alegre, sobre o documentário Eu me lembro, de Luiz Fernando Lobo dentro da mostra nacional Cinema pela Verdade.

O filme mostra o trauma de vítimas da ditadura brasileira iniciada em 1964 e a busca das famílias por justiça.

Nossa parte foi lançar uma reflexão sobre o nascimento da tirania dentro da própria democracia.

Dias depois o Brasil se levantou em protestos populares ainda em andamento, iniciados pela insatisfação com o aumento da passagem de ônibus urbanos onde Porto Alegre foi protagonista.

Abaixo, o texto.

A ditadura como uma doença da liberdade política

"As ditaduras não suportam a liberdade de expressão." Sentença de Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, na audiência pública de reparação de Glauber Rocha.

Gostaria de pedir atenção para esta manifestação, pois ela se encontra no cerne da questão da ditadura. Tudo o que ocorreu do ponto de vista legal e ilegal foi uma tentativa de sufocar a liberdade política de uns para garanti-la a outros.

Ou seja, se não há liberdade política para todos, há para alguns.

Vamos estabelecer aqui a ideia de que se medirmos a liberdade em grau, seu excesso e sua falta são patologias onde a escassez é gerada pela abundância. Assim, o totalitarismo é uma doença da liberdade provocada por ela mesma em excesso.

Explicaremos este processo iniciando com uma definição de liberdade política.

"Sou livre para agir quando nada nem ninguém me impede de fazê-lo." 

Segundo André Comte-Sponville, esta é a definição de liberdade politica comum a Hobbes, Locke e Voltaire, pelo menos. A liberdade é relativa ao grau de constrangimento. quer dizer que como prática politica, ela existe com mais ou menos limites a partir de como nossos valores são elementos constituidores de costumes, de normas éticas, códigos legais e regimes de governo, libertários ou dominadores.

Escolhemos como nos conduzir e nos construir como indivíduos e como sociedade num processo que está carregado de nós, de nosso ser.

Johann Gottlieb Fichte, dizia entre os séculos XVIII e XIX: "Que tipo de filosofia se escolhe depende do tipo de pessoa que se é". (STÖRIG, p 384).

O filósofo alemão nos remete à reflexão de que, se somos iguais em princípio para decidir o que fazer de nossas vidas desde que não firamos o direito dos outros ficando sujeitos à perda da liberdade, somos, por outro lado, condicionados por aquilo que é nossa cultura. Isto repercute na política partidária e cotidiana nos fazendo responsáveis pelos destinos individuais e coletivos na medida e que o amanhã será consequência do hoje, como o agora é resultado do antes. 

Se nós vivemos a democracia, onde há maior liberdade e equivalência de direitos, precisamos ainda pensar em nossas escolhas atuais para não fazermos delas pragas que apodreçam o sistema. 

Platão criticava a democracia e defendia a República como sistema político, regulado por leis justas e capazes de promover a paz e o bem-estar social em sua mais elevada concepção. Mas o governo deveria ser constituído por pessoas sábias. O governante-filósofo seria um elemento de uma casta educada e preparada para conduzir com sabedoria os destinos dos cidadãos, tendo por modelo um estado constituído à imagem da ideia perfeita de justiça. 

Para Platão, o governo do povo era uma degeneração onde a vontade dos mais sábios era substituída pela vontade da maioria, nem sempre certa, onde um povo decadente tende a fazer escolhas erradas. Sendo a democracia marcada pelo amplo exercício da liberdade, Platão aponta a licenciosa satisfação dos desejos acima do limite do que é justo como fator indutor da tirania. 

A tirania é uma doença da liberdade relacionada à injustiça

O tirano tem ligação com a classe popular e nasce sob o uso da própria liberdade em excesso. Chega ao poder para a falsa defesa da liberdade e da justiça coletivas e acaba defendendo as suas e de seu grupo. É o que Platão expõe no Livro XVIII e IX da República. 

Aqui fazemos um parêntese: 

Se por um lado a tomada do poder em 64 foi classificada como golpe pelos democratas depostos, pelos conservadores, foi chamada revolução para a proteção da democracia. Foi defendida pelos militares, legitimados por parte da população, em especial da classe burguesa, como uma necessidade para barrar a suposta ameaça tirânica comunista vinda do leste que, entre outras coisas, colocava em perigo o direito à liberdade política e econômica brasileira. Leia-se aqui a elite arrogando-se a maioria do povo e interferindo nos destinos da nação. 

O que queremos dizer é que em regimes políticos livres, onde há horizontalidade de direitos e ninguém é a priori mais forte a ponto de oprimir o mais fraco, as efervescências sociais originadas pela própria liberdade fazem parte da normalidade. Porém, não havendo instituições fortes e princípios republicanos seguros, o que ocorria em 64, a própria liberdade política oferece espaço para que um grupo surja com propostas salvacionistas. 



Com apoio popular e no controle da força e do Estado, este grupo pode se voltar contra a liberdade que o permitiu ser gerado, pela manutenção do poder, agora usurpado. 

A autoridade totalitária restringe a liberdade justamente para evitar a dissidência que possa destroná-la, assim como as democracias evitam a concentração de poder que possa desfazê-la. Ambos, totalitarismo e democracia precisam limitar a liberdade para que não morram. 

Aqui, chegamos a uma antinomia latente no exercício da liberdade política. Quanto mais uma sociedade dá liberdade aos seus membros, mais eles são ameaçados de perdê-la. Podemos pensar na tolerância exagerada que há no país em diferentes questões e ver perceber o quanto o abuso do poder limita direitos dos cidadãos ou os oprime a ponto de não ser incomum ouvir este absurdo "Ah, se fosse no tempo da ditadura" como solução para desordens.
Nestes cenários, estas sociedades correm o risco de precisar de medidas enérgicas e coercitivas para barrar a desordem provocada pelo excesso de tolerância às liberdades abusivas. E isto pode abrir brechas por onde o pensamento totalitário entra mascarado de restaurador da ordem. 

Platão diz no fragmento 563 a-e da República: "nascendo, aqui também da liberdade de fazer tudo, torna-se mais amplo e mais forte, até reduzir a democracia à escravatura."

Temos, então, o excesso de liberdade como patologia da própria liberdade que degenera em totalitarismo. 

Concluímos que necessitamos ser livres, mas com disciplina. O que fazer? 

Jean-Jacques Rousseau diz no início do capítulo I do Contrato Social: "O homem nasce livre e por toda parte encontra-se a ferros."

Os homens são escravos uns dos outros quando decidem por sociedades regidas por leis e costumes que contrariam a vontade geral. Rousseau faz esta distinção entre vontade da maioria e vontade geral, que é resultado de consenso universal e não representável por nenhum governante. Vontade geral é a constituição que Rousseau chama de Soberano. Ela é o espelho mais fiel dos desejos de toda a sociedade e deve ser o guia de todas as ações políticas. Só deste modo o povo será livre, pois sua liberdade estará estabelecida em parâmetros comuns, emanados pelo próprio povo

No Livro V do Emílio Rousseau vai afirmar: "A liberdade não está em nenhuma forma de governo. ela está no coração do homem livre."

É do coração, do conjunto de sentimentos e vontades que emana o Soberano. Neste contexto, os governantes são apenas cumpridores da vontade geral. 

Vejamos: se uma sociedade decide que a educação e a saúde serão gratuitas, de qualidade e suficientes para todos, por que não é cumprido? Porque não é o Soberano quem governa, e sim os desejos dos governantes! Nas ditaduras, não temos nem mesmo uma constituição popular parecida com o Soberano.

Estas ideias apontam que os valores da liberdade polícia e da justiça precisam estar consolidados do cidadão às instituições para que os embates da sociedade sejam absorvidos sem maiores traumas. Se não for assim, os conflitos de interesses podem resultar em rupturas graves como uma revolução ou um golpe escravizador, como diz Platão. 

No momento atual do Brasil, estamos livres de uma convulsão que tenda ao uso de instrumentos legais e políticos de exceção?

Não! 


Devido aos desarranjos sociais que enfrentamos! 




Temos exemplos de revoltas e golpes recentes da direita e da esquerda que não chegam a ser ditaduras, permanecem democracias constitucionais, mas com restrições de direitos e liberdades. E isto é perigoso, como foi em 64.





Para encerrar, Sartre afirma que o homem está condenado à liberdade por ser uma consciência. É no sujeito, não limitado por seu ser, e para ele, que o mundo faz sentido. Somos nós que reconhecemos a importância de viver entre o direito e o dever que nos mantenham politicamente livres. No nosso caso, numa democracia. 
E nossa consciência, que se reforça com a educação, a informação, a reflexão, nos orienta a tomar decisões nesta direção. Escolhas que falam de nós, como afirma Fichte. 

Estas decisões têm impactos na sociedade que segurá sendo construída mais ou menos livre, mais ou menos justa, se assim nós quisermos


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STÖRIG, Hans Joachim. História geral da filosofia. Petrópolis: Vozes, 2009.