Sua revista escolar de filosofia.

terça-feira, 25 de março de 2014

O prazer de Epicuro

Numa tarde, tomando um café no bar da RBSTV, em Porto Alegre, eu e meus amigos jornalistas e colegas de trabalho na época, André Azeredo, Simone Lazzari  e Tatata Pimentel, conversávamos sobre a eficácia das campanhas antidrogas.

Tatata, o professor Beto, como gostava de ser chamado, já falecido, que também era um intelectual apaixonado pela Filosofia, como um dia me falou na PUCRS, disse que as campanhas nunca teriam o resultado esperado.





Por uma razão simples.

A maior parte das campanhas educativas são fundamentadas no medo e a droga dá prazer.

O que ele propôs foi que o prazer, um bem, é maior do que o receio do mal ou o mal de fato.

Será que as pessoas são levadas por este princípio?
Em que medida o prazer é um bem tão concreto que supera tudo?
A cultura atual estimula este tipo de busca?

Lá no passado, na história do helenismo, um filósofo ofereceu o prazer humano como o bem excelente a ser conquistado. Porém, o que foi legado a nós, sofreu distorções.

Estamos falando de Epicuro.

O epicurismo surgiu no período helenista, quando o mundo antigo fora constituído o império de Alexandre da Macedônia. A polis grega estava dissolvida na nova constituição política e os grandes sistemas platônico e aristotélico que defendiam o homem-cidadão já não tinham força. O homem era visto como um indivíduo. Já não encontrava correspondência em ser-para-o-Estado, mas sim em ser-para-si-mesmo. Metafísicas que sustentavam a virtude pública eram postas de lado e a administração do Estado deixava de ser uma responsabilidade existencial, diga-se assim, para o bem de um e de todos.

Esta ideia é familiar?
 
Semelhanças com a globalização contemporânea e a helenista não são meras coincidências.



Epicuro entende que a filosofia precisa propor uma saída real e concreta para a pergunta: o que é ser feliz e como se consegue isto?

Materialista, Epicuro acredita que as sensações do corpo são verdadeiramente reais e não um engano dos sentidos, pois o homem é um ser material e seu bem maior deve ser também material. Este bem é o prazer.

Neste sentido, não há mundos transcendentes ou instâncias intelectuais a serem alcançadas para o gozo de quem vive. Viver é uma presença física em toda a sua intensidade. Se parássemos por aqui, teríamos uma série de decorrências apontando a busca pelo prazer como o efeito desejado para a felicidade. Logo, esbarraríamos em questões morais que indagariam se qualquer prazer é válido.

Não para Epicuro.

Para ele, prazer e dor são estados transitórios e, como se busca a felicidade, ela deve ter a maior duração que se consiga. O filósofo de Samos propõe, então, que estar imperturbável é o prazer que se procura. Isto significa que cada pessoa deve observar a si própria para compreender o que a faz feliz deste modo, sem causar perturbações ou estados de dor.

Não vale o prazer de agora que gera o vazio depois.

“Para Epicuro, a tarefa da filosofia consistia em ajudar a interpretar nossas pulsões indefinidas e, dessa forma, evitar planos equivocados para a obtenção da felicidade.” (BOTTON, p. 70)

A felicidade é a ausência de dor, aponia, e de turbações, ataraxia.

E a elas se chega por ininterrupto filosofar, por aplicar a razão no autoconhecimento e assim evitar apegos desnecessários e fruições supérfluas e desastrosas.

“Sendo assim, a regra moral não é o prazer como tal, mas a razão que julga e discrimina, ou seja, a sabedoria que, entre os prazeres, escolhe aqueles que não comportam em si dor e perturbação, descartando aqueles que dão gozo momentâneo, mas trazem consigo dores e perturbações.” (REALE; ANTISERI, p. 247)

Propriedades, honrarias e responsabilidades públicas, para Epicuro, devem ser evitadas, pois afastam o homem de si mesmo e de sua realização como indivíduo sábio e feliz. É preciso se concentrar em atender às necessidades básicas de conservação. Isto evita dores e torna o homem rico, pois o preserva das ambições e vaidades. Resta como laço legítimo de relação entre os homens, a amizade, efeito de um apreço verdadeiro e desinteressado.

Vamos voltar à droga?

Enquanto certas campanhas alertam para os perigos, o entorpecente é oferecido como promessa de prazer. É comum os epecialistas se referirem ao consumo que pode chegar à compulsividade como fruição ilimitada com intenção de perpetuar um bem que escoa.
 
E não é alegria e prazer o que se procura na vida? Mas não é qualquer prazer...
 
A droga não é consumida atendendo a necessidades prazerosas?
Não vivemos uma pós-modernidade materialista, calcada no imediato, hedonista, que cultua o sucesso, o bem-estar incondicional, a vitória pessoal, a beleza, a riqueza, o dinamismo e que pouco reflete sobre a necessidade disto tudo e os modos justos de conquistá-lo?
A droga não é uma falsa entrada neste mundo de poder?
Não é também uma fuga à perturbação, busca por ataraxia e aponia?
A droga não compensa afetos inexistentes num cenário de egoísmo e solidão?

Entra assim, o entorpecente, na lista das coisas dispensáveis, nocivas e viciantes que atormentam a existência humana. Resultado de carências e ignorâncias que diferentes saberes se aplicam em combater. Todavia, a barreira está na reflexão pessoal de cada um, nem sempre feita com profundidade, sobre as consequências dos atos voluntários.

É um problema de consciência, logo, do indivíduo e sua complexidade emocional e sua racionalidade. A ele é que o epicurismo se dirige.

A droga sem prescrição médica, para a satisfação vã e um risco potencial seria condenada por Epicuro como foram vários abusos. Contudo, o filósofo é erradamente tomado por licencioso.

“Faze a seguinte interrogação a respeito de cada desejo: que me acontecerá se se realizar o que quer o meu desejo?” (MONDOLFO,  p. 86)

Em seu Jardim, ele cultivava a vida simples, lúcida, entre amigos.
Em horas de conversas agradáveis, como aquela que originou este post.

 
BOTTON, Alain de. As consolações da filosofia. Porto Alegre: LP&M, 2012.
MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo. São Paulo: Mestre Jou, 1973.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: antiguidade e idade média. São Paulo: Paulus, 1990.
imagens: revistapress, infoescola, familia.com.br, reporteralagoas

3 comentários:

  1. A MENTIRA E O PRIMEIRO PREJUÍZO PARA A CONSCIÊNCIA HUMANA


    ADRIANO DE OLIVEIRA FREIRE

    ResponderExcluir
  2. O texto "O prazer de Epicuro" vem servindo de apoio para reflexões da turma 306, terceiro ano do Ensino Médio, da Escola Municipal Santa Rita, em Gravataí, no Rio Grande do Sul.

    Selecionamos alguns pontos de vista dos alunos a partir de redações produzidas por eles.

    "... a droga se torna algo fora de questão, pois ao mesmo tempo em que traz um prazer indiscutível, ele leva o usuário ao caminho do sofrimento, angústia e dor." Morgana

    "...para mim, felicidade é estudar muito e dar duro na empresa onde eu trabalho para cada vez mais crescer. Porque quanto mais crescer, melhor para o sustento da minha família. Isso para mim é que é felicidade." João Paulo

    "A felicidade traz um sonho e é para ser vivida." Amanda

    "Nada mais é do que um estado de espírito... Sentimos a necessidade de sentir felicidade." Célia

    Noções de sonho como uma visão futura de bem-estar, mas que deve ser realizada para ter sentido. A felicidade é um conceito, um signo vocal cujo referente está na experiência, na ação.

    Estados de espírito experimentados na realização de necessidades ligadas à dimensão estética, do corpo e seus desejos, ou éticas, dos valores que distinguem bem e mal e remetem à satisfação da consciência.

    Clareza das consequências de cada ato a partir do cálculo utilitarista, entendendo que certos prazeres resultam em dores e certas dores, em prazeres e para isto é preciso refletir sobre o resultado das escolhas.

    Felicidade enquanto satisfação pessoal ligada à realização intelectual e engajamento social mediado pelo trabalho.

    Parabéns aos alunos que até o momento contribuíram para elaborar o pensamento a respeito da questão da felicidade!

    ResponderExcluir
  3. E temos novas participações dos alunos da turma 306 da Escola Santa Rita a respeito do post e da nossa investigação sobre a felicidade.

    "As sensações do corpo são verdadeiramente reais e não um engano dos sentidos." Alessandro Ribeiro

    "O texto nos leva para algo diferente, nos liga com a realidade, faz com que nossos pensamentos fluam de um modo extraordinário." Guilherme Dutra

    "Viver é uma experiência física em toda a sua intensidade. Se parássemos por aqui, teríamos uma série de decorrências apontando a busca pelo prazer como um efeito desejado para a felicidade." Dieyson dos Santos

    A dimensão estética humana como possibilidade definitiva de todas as experiências reservadas ao ser-no-mundo, à presença heideggeriana. Um "eu" empírico, real que traz consigo a capacidade de viver, sentir e conhecer.

    A apropriação da filosofia pelo sujeito e o despertar da curiosidade epistemológica. O prazer de descobrir, pesar e saber. Prazer intelectual que remete à realização da natureza racional humana como finalidade da existência conforme a noção aristotélica.

    O prazer como sentido das ações, somente possível quando o homem mergulha no mundo para explorar suas potencialidades estéticas e fazer a busca pelo prazer um caminho para compreender a felicidade.

    São outra valiosas contribuições ao post!
    Somos todos gratos a todos por esta construção conjunta de nossos pensamentos!

    *CORREÇÃO: NO COMENTÁRIO ANTERIOR, A ALUNA CHAMA-SE HAMANDA, COM "H".

    ResponderExcluir