Sua revista escolar de filosofia.

domingo, 23 de maio de 2021

So bad, Kant! Enem, Eu #2

Olá, filósofos! 

Na moral, vamos a mais uma questão de Enem?

Essa é uma pergunta que para responder, precisa conhecer um pouco melhor os fundamentos da filosofia do autor. 

Uma questão sobre filosofia prática, que é aquela que se dedica às reflexões sobre os costumes, quer dizer, a moral e a ética, portanto, os valores, as escolhas, a conduta. 

Vamos a um breve resumo tópico sobre a moral kantiana. 

Kant é demais, gente! 

Olha o look, so bad...

Vamos lá! 

Em primeiro lugar, vamos destacar o que Kant chama de "imperativo categórico". Ele é o que podemos chamar de um "fórmula" para os juízos morais. Então, ele não contém o conteúdo, ele é a forma racional para delimitar o que será moralmente válido. O que o imperativo categórico kantiano enuncia é que ao julgar a ação, o sujeito, o ser humano, racional, consciente, tenha em mente que a sua ação possa se tornar uma lei universal. 

Quer dizer o seguinte, se aquela ação que você pretende executar pode ser copiada por todas as pessoas e assim produza entre todos efeitos que não firam a dignidade de ninguém, não tragam prejuízos, não estimulem a trapaça, a mentira, a desonestidade, a discórdia, enfim, não faça de ninguém o meio para obter vantagens pessoais. Por que isso? Porque para Kant, só será moralmente válida a ação que não tenha por objetivo interesses pessoais, mas sim o respeito absoluto ao dever de agir com perfeição buscando o resultado de excelência para todos. Ações que têm aparência de serem morais mas na essência atendem a interesses particulares e não à universalidade do dever são aquelas que Kant classifica como imperativos hipotéticos. 

Portanto, se a ação de alguém puder ser copiada por todos e produzir bem-estar para todos, essa ação é a preferida, mesmo que haja sacrifício de quem a toma. A ação moral não é para produzir satisfação pessoal e sim para garantir na prática que o dever foi cumprido. E qual é o dever? Aquilo que a razão mostra como sendo o modo excelente de respeitar o que é ético. O que é ético é o que vale para todos e não apenas para um ou alguns já que a ética é pretensamente universal como conjunto de normas para a boa ação. Uma sociedade kantianamente ética seria aquela em que todos podem confiar em todos porque todos agem com o objetivo de respeitar o dever ético e não para obter satisfação pessoal. Nessa sociedade a paz estaria garantida, o engano não existiria, bem como qualquer vício do caráter produzindo danos. 

Entendido isso, vamos à questão.

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(Enem/2017) Uma pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá.

KANT, l. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo. Abril Cultural, 1980

De acordo com a moral kantiana, a “falsa promessa de pagamento” representada no texto

a) Assegura que a ação seja aceita por todos a partir livre discussão participativa.

b) Garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade da vida futura na terra.

c) Opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer como norma universal.

d) Materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana podem justificar os meios.

e) Permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as pessoas envolvidas. 

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Com a clara noção do que Kant exige para que uma ação seja moralmente válida e que seja assim uma regra ética, fica mais fácil acertar a alternativa. 

Não pode ser a "a" porque para Kant a validade de uma regra ética não está no consenso e sim no respeito ao dever acima de qualquer discussão ou deliberação comunitária. Se a regra ética deve ser universal, vale em qualquer tempo e espaço, logo, para todos os seres humanos independentemente do meio em que vivem. Isso porque o parâmetro para julgar é a tal fórmula "age de modo que tua ação possa se tornar uma lei universal" e não age conforme a maioria decidir. Essa reflexão é individual e não coletiva apesar de dever ser feita por todos. 

Não pode ser a "b" porque para Kant as regras éticas não são determinadas pelas consequências da ação como quem decide agir por causa do efeito produzido. As ações são tomadas a partir da intenção de respeitar o dever ético de agir querendo garantir a universalidade dessa ação e não porque se vai ter o resultado favorável à satisfação pretendida. Uma ação que garanta a vida futura na Terra, para ser moralmente válida, teria que garantir a vida de todos e isso exclui atitudes que sacrificariam uns em benefício de outros, por exemplo. Então, esse efeito proposto para a alternativa não é suficiente para validar a ação nem explicar porque ela seria recomendável à manutenção da vida. Mas, o que invalida a resposta no princípio é considerar a consequência como critério de validação ética, para Kant não é assim.  

Não pode ser a "d" porque jamais os resultados são justificativas para os meios de chegar até eles, segundo Kant. Esse pragmatismo ético está mais relacionado à filosofia maquiavélica. Para chegar a um resultado justo nunca se deve usar meios injustos, pois isso compromete a ação naquilo que Kant defende como critério de validação ética. Para Kant a intenção tem que ser justa e os meios precisam ser justos. Assim o resultado será também justo: agir de forma que a ação possa ser uma lei universal. Antes de agir, sempre pensar nessa fórmula para verificar se a intenção é justa, se ao colocá-la em prática ela será justa e produzirá exatamente justiça sempre que alguém fizer o mesmo.  

Não pode ser a alternativa "e" porque Kant não foca sua ética na felicidade produzida pela ação. A ação ética é aquela que garante o cumprimento do dever, como já foi dito. Isso, às vezes, exige do autor o sacrifício de seus interesses pelo bem maior que é manter o compromisso ético. A maior quantidade de felicidade produzida aos envolvidos faz referência ao cálculo utilitário ou seja, à ética utilitarista. Kant é deontológico, sua ética é a dos deveres. Logo, ele não se importa com a quantidade de felicidade para o maior grupo possível de pessoas, mas define que será ético o que deve ser feito a qualquer preço, pois a ação ética representa o bem máximo que a inteligência lógica humana pode conceber livremente e adotar livremente como regra de conduta, o que faz da ética legítima algo praticamente santo. 

Resta-nos a alternativa "c ", de certa, que afirma o sentido do imperativo categórico, que é agir para criar leis universais de conduta com a própria reflexão. No criticismo kantiano, a razão humana produz suas próprias leis e cada ser racional tem em si a condição de chegar por si mesmo às respostas do que é ético ou não. Mentir para ter vantagem, se for uma ação copiada por todos, tem como consequência uma sociedade onde ninguém mais confia e ninguém, pois a desonestidade se universaliza. Desse modo, a própria regra se autoanula uma vez que ninguém a poderá colocar em prática já que todos saberão com antecedência que quando alguém estiver pedindo dinheiro emprestado e prometendo devolver, não vai ser cumprido, então ninguém vai emprestar a ninguém. Mentir por interesse fere também o princípio kantiano de nunca usar outros seres humanos como meio para obter resultados, mas sempre com fins em si mesmos, quer dizer, todas as pessoas possuem importância máxima porque elas são humanas, são livres para pensar e agir e devem ser tratadas com a máxima dignidade por isso e não serem enganadas de nenhum modo ou sofrerem para que alguém ou um grupo tenha êxitos. 

Firmeza?! 

Essa foi mais longa, mas bem legal! 

Claro que acompanhando desde o início a explicação, como disse, ficaria mais evidente a resposta. Mas, já aproveitamos para expor alguns pontos sobre a ética kantiana que podem ser úteis a todos. 



Certo que com toda essa explicação você não errou, Enem, Eu!! 


Imagem: prosadas09

sábado, 15 de maio de 2021

Enem, Eu #1

Salve, gente! 

No horizonte... o Enem! 

Alunos de terceiro ano do Ensino Médio ou outros estudantes que estejam se preparando para o exame vão encontrar a partir de agora algumas questões de filosofia comentadas aqui por nós. 

A seção "Enem, Eu" pretende aproximar você do Enem ao promover reforço na aprendizagem em paralelo ao programa do componente elaborado pela escola e ao mesmo tempo oferecer nessa ferramenta um auxílio aos demais visitantes do Filosofósforos.  

Periodicamente, portanto, haverá uma nova questão analisada por aqui. 

Vamos lá?! 

A questão de hoje é sobre Charles-Louis de Sécondat, ou simplesmente Montesquieu, que já foi estudado quando analisamos o Estado, as formas de governo e os sistemas políticos. Fala também sobre poder, que também já foi estudado. 

Prontos?

Então, tente responder sozinho e somente depois passe para a correção.

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(Enem/2013) Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.

Os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário atuam de forma independente para a efetivação da liberdade, sendo que esta não existe se uma mesma pessoa ou grupo exercer os referidos poderes concomitantemente.

MONTESQUIEU, B. Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (adaptado). 

A divisão e a independência entre os poderes são condições necessárias para que possa haver liberdade em um estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo político em que haja

a) exercício de tutela sobre atividades jurídicas e políticas.

b) consagração do poder político pela autoridade religiosa.

c) concentração do poder nas mãos de elites técnico-científicas.

d) estabelecimento de limites aos atores públicos e às instituições do governo.

e) reunião das funções de legislar, julgar e executar nas mãos de um governo eleito.

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Qual seria a resposta certa e por quê? 

Pense mais um pouco se ainda não conseguiu chegar a uma alternativa... 

Ok?! 

Vamos corrigir?

Primeiro, a questão se refere com muita clareza à distribuição dos poderes no estado moderno entre o poder executivo, o legislativo e o judiciário. Aponta características funcionais de cada poder e da condição indispensável de seus limites para haver liberdade nesse estado e por consequência, na sociedade que constituiu esse tipo de estado. É, portanto, uma república democrática ou aristocrática ou ainda uma monarquia, porém, constitucionais, ou seja, que tenham a lei como parâmetro de governo. O que não será é um regime despótico, onde há concentração de poder tirano e arbítrio do governante à revelia da lei soberana. 

Após o texto, a pergunta dirige a escolha para a alternativa que afirme que para haver liberdade nesse estado deve haver necessariamente, obrigatoriamente independência entre os poderes. 

Não pode ser a 'a" porque a tutela de poder pressupõe algum poder vertical e superior ao da lei. Quem tutela? 

Não pode ser a "b" porque a autoridade religiosa é um tutor vertical do poder, semelhante ao que invalidou a letra "a" e um estado teocrático ao modelo medieval dispensa o poder político laico e a divisão dos poderes própria do estado moderno. Sendo um iluminista, Montesquieu defende a soberania política popular secular e não a religiosa. 

Não pode ser a "c" porque a concentração de poder em qualquer elite também é verticalização autoritária e está em contradição com o texto do próprio autor. 

Não pode ser a "e" também porque afirma concentração de poder e consequente possibilidade de autoritarismo, outra verticalização. Governos eleitos devem limitar seu exercício às leis e respeitar a autonomia dos outros poderes para haver harmonia e horizontalidade na gestão do estado garantindo princípios de igualdade, como a isonomia, a isocracia e a isegoria, que são os iguais direitos frente à lei, a participação no poder e à livre expressão.  

A certa é a "d" e a explicação agora é clara: agentes públicos, quer dizer, que trabalham na gestão pública e instituições públicas, de governo, devem agir dentro de limites. Quais limites? Os das funções e suas normas reguladoras o da lei desse estado. 

Barbada! 

Vai meditando aí que em breve a gente volta com mais uma questão. 

Você não errou, Enem, eu! 



imagem: Prosa das 09

prosadas9.wordpress.com