Sua revista escolar de filosofia.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Dá no que pensar

Você aprova a política da sua comunidade democrática?

A democracia é um contrato político e jurídico entre os integrantes de uma sociedade para a constituição do seu Estado.

De origem liberal, as democracias modernas garantem direitos relacionados à vida, à liberdade e à propriedade, fundamentalmente naturais.

Sem entrarmos além nas descrições dos regimes democráticos contemporâneos, que pode ser longa e muitos já conhecem, o que queremos propor é um pequeno paralelo entre a situação política de algumas sociedades livres e a crítica de Thomas Morus, autor da Utopia.

Seu pensamento apontou as arbitrariedades cometidas pelos governos que exploram a coisa pública e denunciou abusos que vão das monarquias às repúblicas. Mas, não sem contradições.

A principal causa da miséria pública reside no número excessivo de nobres, zangões ociosos, que se nutrem do suor e do trabalho de outrem [...] (Livro 1, p. 10).

Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para a virtude, e, vós as matais, quando, tornadas homens, cometem os crimes que germinavam desde o berço em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los. (Idem, p. 13).


"[...] é necessário observar não só as convenções privadas entre simples cidadãos, mas ainda as leis públicas, que regulam a distribuição das comodidades da vida, em outros termos, que distribuem a matéria do prazer, quando estas leis foram justamente promulgadas por um bom príncipe, ou sancionadas pelo consentimento geral de um povo, nem oprimido pela tirania, nem embaído pelo artifício. A sabedoria reside em procurar a felicidade sem violar as leis." (Idem, p. 46).

A obra provocadora enverada pela política, pelo direito, pela economia, pela administração, pelo urbanismo, pela religião, pelos costumes e propõe um sistema onde a justiça social se dá pela comunhão geral dos bens e da participação na gestão do Estado, porém, com o controle total deste sobre os cidadãos para a manutenção da ordem e da igualdade. É uma semente tanto do comunismo quanto da democracia socialista.

"Lá todos são felizes porque não há propriedade privada, que só causa desigualdade e sofrimento. [...] O problema é que não há liberdade na Utopia." (RIBEIRO, 2007, p. 14)

Ganância e exploração; privilégio e desvantagem; autoridade e opressão; autonomia e heteronomia; indivíduo e coletividade, igualdade e desigualdade; justiça e injustiça; liberdade e servidão... Difícil balanço.


Há algo de Morus que se aplica a sua maneira de perceber a política da sua sociedade e de alguma outra de seu interesse?

Dá no que pensar, não?

MORUS, Thomas. Utopia. Ed. Ridendo castigat mores. www.virtualbooks.com.br
RIBEIRO, Renato Janine. Quase quinhetos anos de utopia. Filosofia: ciência e vida, n. 10, ano 2007, p. 14-15.  
imagens: utopia.vogedascht, robtshepherd

sábado, 24 de janeiro de 2015

Muito prazer

O verão é um período dionisíaco.

Se vive o corpo e com ele as sensações.

O verão é um momento estético.

Em nome do descanso, as pessoas, de modo geral, relaxam as regras. Ou seja, deixam de lado a racionalidade que normatiza a conduta. Reduzem o intelecto e intensificam a experiência sensorial.

Exageros, nesta época, são tolerados mais do que em outras fases do ano por se instalar um pacto tácito de que é preciso fruir o prazer antes que a chance acabe. Uma dose de pressa agita a perseguição a esta felicidade passageira.

Alegria efêmera resultante de comportamento mais hedonista.

Comer além da conta, beber demais, se expor ao sol, desejar aventuras sentimentais, fazer toda a atividade esportiva acumulada, dormir até cansar, ficar acordado até não aguentar, festejar por qualquer motivo, cultivar euforias, etc.

É bom sentir alegria e o prazer é uma necessidade.

Mas, é ele, o prazer sensorial, o Bem humano?
É por ele que se vive?
As ações são movidas em busca de prazer?
O prazer, como fim, justifica os meios para obtê-lo?
Pode haver algum prazer além do experimentado como sensação física? 

Platão dedicou o diálogo Filebo a investigar o lugar que o prazer ocupa na vida humana e sua relação com a felicidade. Para o filósofo, a vida ideal e portanto boa é aquela onde se misturam em proporção harmônica o intelecto e o prazer. Não se pode viver, enquanto humano, uma vida de pureza intelectual, o que retiraria a sensação, nem de puro prazer, o que excluiria a razão.

"Platão sustenta que o Bem pode ser encontrado na vida mista, e mais provavelmente, quando existe uma mistura bem-feita de prazer e sabedoria." (MACIEL, 2002, p. 246)

Mas, qual a mistura que se pode considerar satisfatória? 
Nada fácil responder...

No entendimento da medida justa entre as partes intelectual e prazerosa Platão propõe que o intelecto oriente a conduta na seleção dos prazeres afastando os falsos e exagerados que podem se constituir modos violentos de satisfação, prejudiciais ao homem e preferindo os verdadeiros conforme o ideal de virtude.

A obra trata de analisar o tema sob as perspectivas práticas do bem resultante da realização da essência humana ou a partir de um motor da ação, no caso, o prazer.

Então, o que justifica os excessos do verão?




Ah! Vem aí o carnaval...






MACIEL, Sonia Maria. Ética e felicidade: um estudo do Filebo de Platão. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.

imagens: arte2b, skoob, gabriel rangel
link: a filosofia