Minha esposa me disse:
"-Hobbes era ateu."
Como assim? Perguntei.
Ela respondeu que leu em uma breve biografia escrita por Nigel Warburton, professor de Filosofia.
Achei estranho, fui investigar o trecho. Realmente afirmava.
Expliquei que não era muito certa a afirmação de Warburton, pois Hobbes usa de teologia e busca nas Escrituras Sagradas recursos para fundamentar o Leviatã, por exemplo. Falei que o inglês poderia sim estar em divergência com a teologia romana e anglicana e que o fato dele ter argumentos mecanicistas em sua filosofia não significaria exatamente que ele era ateu.
Ela não se convenceu muito.
Então, fui buscar uma outra opinião.
Renato Janine Ribeiro, um dos mais importantes filósofos brasileiros, confirma o que penso. Ele escreveu o seguinte:
"Mais que isso, Hobbes afirma que um poder irresistível, como o de Deus, é o único que pode baixar leis sem necessitar do consentimento dos súditos (veja-se o final da segunda parte do Leviatã). Esta curta observação é importante, porque permite contrastar Deus, que legisla sem precisar de nós, com os soberanos deste mundo, que podem legislar sem nossa aprovação a cada lei, mas cujo poder decorre de que em algum momento, imaginado pelo menos, tenha sido aceito pelos súditos o seu princípio. Deus tem um papel no sistema teórico hobbesiano."
Quer saber mais?
Clique aqui, leia o texto completo e forme seu conceito.
link: renatojanine.pro.br
fotos: umesbocofilosofico, turmadochapeu
Sua revista escolar de filosofia.
quarta-feira, 31 de julho de 2013
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Da liberdade à droga
Hoje, ao visitar o hospital São Francisco de Assis, na zona norte do Rio de Janeiro, que trata dependentes químicos, o Papa
Francisco emitiu uma opinião política clara e séria.
Disse ser contra a
descriminalização das drogas, sem especificar quais.
Segundo o Papa, tornar o consumo ato não criminoso não reduziria os índices de dependência e seus decorrentes problemas.
O religioso declarou que a lógica gananciosa fomenta tragédias sociais e que aqueles que vendem a droga são mercadores da morte.
Há no Brasil um debate sobre não considerar crime o porte de maconha para consumo próprio, tendo por base não interferir em decisões privadas do cidadão que não afetam terceiros. Uma medida para resguardar legalmente a liberdade de escolha nestes casos que também transfere à sociedade parte da atividade exercida pelo tráfico.
Legalizar o comércio
da maconha, droga considerada de entrada por médicos, ponte
para outros tóxicos mais potentes, criaria o controle do
Estado sobre a produção e circulação do
produto. Haveria arrecadação de impostos e economia em
segurança para o combate ao tráfico, entre outros
ajustes possíveis e profundos.
Claro, não é
a maconha que mata.
O crack e o oxi, por exemplo, são problemas maiores, enquanto entorpecentes. Porém, traficar, em geral, produz tremenda violência.
A mensagem do pontífice foi reta aos países
latino-americanos. O Uruguai, há pouco, debatia a proposta de
legalizar a maconha.
Mas, tornar esta droga um produto legalmente
consumível se relaciona como com a liberdade? É questão só de mercado, de segurança, de saúde, de política? De comportamento, de consciência?
Ela sai da
clandestinidade e passa a ser oferecida a quem queira e possa
adquiri-la num ato de livre vontade que obedece à
rotina da livre economia. Mesmo que haja alguma restrição
ao comércio, ela é menor do que o cometimento de um
crime como é hoje. O traficante sai de cena e entra o comerciante e o usuário se torna consumidor legal. Como ocorre com o cigarro e o álcool. Se adoecer disto, uma consequência, o indivíduo arca com a responsabilidade, ônus da liberdade.
Até onde é
livre a decisão humana se forem levadas
em conta as disposições naturais e comuns a todos como a emotividade e a racionalidade (psicológicos ou subjetivos), fatores determinados como a educação, a cultura, a carga de influência do meio (elementos objetivos)?
Vale aqui lembrar aspectos básicos da definição de liberdade.
- Capacidade de autodeterminação ou autocausalidade e não se encontra sob limites;
- Necessidade relacionada à totalidade;
- Possibilidade condicionada de escolha.
“...o homem é
o princípio e o pai dos seus atos...” Aristóteles,
Ética a Nicômaco, L III
É livre aquele
que obedece à ordem que governa a totalidade do universo por
conhecê-la. O Absoluto impõe a sua liberdade ao
contingente como uma necessidade. O ser finito conquista a liberdade
por autonomia ao associar sua ação ao princípio
infinito, causa eficiente do todo. Por exemplo, o homem se faz livre
ao executar a vontade de Deus.
É livre quem
possui algum grau de possibilidade de escolha para suas ações.
“Somos livres para
fazer quando temos o poder de fazer.” Voltaire, Dicionário
Filosófico.
Então, cada um
pode escolher o que quer para si com qual ou quanta liberdade?
link: Estadão, Abril
fotos: consciencia.org, abril, cdpl, bucknell
domingo, 14 de julho de 2013
Trabalho acadêmico: educação inclusiva e democracia no Brasil
Olá, acadêmicos.
Há uma identidade filosófica presente nos princípios que regem a educação brasileira. No plano geral, mesmo a educação inclusiva está inserida nestes princípios que atendem à democracia. Fruto de um longo caminho percorrido na história, a inclusão é uma construção de um novo modo da sociedade se relacionar com a diversidade humana e garantir que cada um contribua com sua parte na realização de si mesmo, indivíduo, e da coletividade. Num cenário político onde vige a democracia e com ela os pilares da liberdade, da igualdade e da fraternidade, incluir não é opção, é necessidade. Se assim não for, o princípio democrático falha.
O presente trabalho aqui compartilhado é uma análise da educação inclusiva no Brasil. Uma elaboração teórica um pouco longa, mas interessante, por nós produzida com a intenção de aproximar teoria e prática, filosofia e educação onde ela acontece, em todos os lugares, na escola e fora dela, sob ideias que norteiam as ações.
Esperamos que seja útil.
imagem: cantinhodaseducadoras
Há uma identidade filosófica presente nos princípios que regem a educação brasileira. No plano geral, mesmo a educação inclusiva está inserida nestes princípios que atendem à democracia. Fruto de um longo caminho percorrido na história, a inclusão é uma construção de um novo modo da sociedade se relacionar com a diversidade humana e garantir que cada um contribua com sua parte na realização de si mesmo, indivíduo, e da coletividade. Num cenário político onde vige a democracia e com ela os pilares da liberdade, da igualdade e da fraternidade, incluir não é opção, é necessidade. Se assim não for, o princípio democrático falha.
O presente trabalho aqui compartilhado é uma análise da educação inclusiva no Brasil. Uma elaboração teórica um pouco longa, mas interessante, por nós produzida com a intenção de aproximar teoria e prática, filosofia e educação onde ela acontece, em todos os lugares, na escola e fora dela, sob ideias que norteiam as ações.
Esperamos que seja útil.
imagem: cantinhodaseducadoras
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL E SEUS DESAFIOS
DENTRO DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
Charles da
Silveira Dalberto
Professora Ana
Cláudia S. Alves
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSSELVI
Licenciatura em Filosofia (SOC 0022) – Estrutura e
Funcionamento do Ensino e Educação Inclusiva
15/06/2013
RESUMO
Há uma proposta educacional no Brasil. É compromisso
do Estado brasileiro proporcionar educação gratuita e de qualidade a todos.
Ensinar aquilo que se espera na escola: Língua Portuguesa, Matemática,
História, Geografia, Filosofia e demais conteúdos. Porém, é também compromisso
escolar formar pessoas para o exercício da cidadania. Cada brasileiro ao passar
pela sala de aula se depara com um currículo e práticas pedagógicas que o
ensinam a se apropriar de valores úteis para fazê-lo produtivo à sociedade, mas
independente, autônomo, crítico e solidário como sujeito democrático que é, que
deve ser. Com este escopo, o Brasil educa sob a luz de suas leis e princípios
que nascem de uma visão filosófica, política e social para a construção de uma
nação de homens livres e de bem, que não se vejam como diferentes, mas sim como
irmãos em pátria e em espécie.
Palavras-chave:
Educação. Inclusão. Democracia.
RIASSUNTO
Esiste una proposta educativa in Brasile. È
compromesso dello Stato brasiliano proporzionare l’educazione gratuita e di
qualità a tutti. Insegnare quello che si aspetta in scuola: Lingua Portoghesa,
Matematica, Storia, Geografia, Filosofia ed altre discipline. Però, è anche
compromesso scolastico formare persone per l’esercizio della cittadinanza. Ogni
brasiliano che va in classe si vede davanti un curricolo e pratiche pedagigiche
che insegnano a lui a apropriarsi dei valori utili per farlo socialmente prodottivo,
ma indipendente, autonomo, critico, e solidario come soggetto democratico che
è, che deve essere. Con questo scopo, il Brasile educa sotto la luce delle sue
leggi e principi che nascono di una visione filosofica, politica e sociale per
la costruzione di una nazione di uomini liberi e buoni, che non si vedono come
differenti, ma sì come fratelli nella patria e nella specie.
Parole chiave:
Educazione. Inclusione. Democrazia.
1 INTRODUÇÃO
Reconhecer
o processo de educação inclusiva no Brasil significa compreendê-la como parte
de um projeto que transcende os limites da escola. A partir da Constituição
Federal e consequentemente nas normas menores que norteiam a educação no país,
o programa educacional inclusivo faz convergência à construção de uma
democracia que insere a nação num plano internacional conjugado e com objetivo
semelhante e coordenado. Este trabalho procura entender o processo por meio da
interpretação do pensamento teórico filosófico, político, social, pedagógico e
legal, fazendo correspondência entre ideias e práticas de sala de aula. Para
isto foi realizada pesquisa bibliográfica impressa e digital e também
assessoria de um instituto nacional, da sociedade civil, dedicado à promoção da
educação de qualidade.
2 A EDUCAÇÃO ORIENTADA POR PROPÓSITOS
2.1 ALGUNS
PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS GERAIS
O
professor, ao exercer diariamente seu trabalho, se propõe a educar, atividade
que nem sempre é de clara definição. O fazer educativo é uma relação entre quem
ensina e quem aprende. Estes papéis, no entanto, são dinâmicos e se alternam. O
aluno, aquele que aprende, recebe do professor, quem ensina, informações e
estímulos planejados pedagogicamente para alcançar o objetivo educativo. Mas o
professor também é aprendiz. Em contato direto com pessoas que possuem
biografias singulares e temperamentos distintos, o educador é levado a adquirir
valores novos ou reforçar alguns já existentes e assim criar ressignificações
que aprimoram seu conhecimento. Desta forma, a educação, mesmo a do espaço
escolar, destinada a oferecer o saber sistematizado para elevar a
intelectualidade e a emocionalidade dos estudantes, é um processo de construção
de indivíduos. Sequência daquilo que inicia na família, ela ganha contornos na
sociedade por meio da interação interpessoal, do contato com a cultura e recebe
fortalecimento na escola.
A
educação, portanto, não se restringe à relação ensino-aprendizagem dos bancos
escolares. Ela é saber formal ao mesmo tempo em que é o saber difuso, aquele
resultante das experiências de vida de cada pessoa, nem sempre sujeito às
teorias de aprendizagem didaticamente utilizadas. A educação está impregnada de
elementos da arte, da ciência, da religião, da tradição familiar, moral e
histórica de um grupo social e de um povo. (PISTONE, 2012)
Desta
maneira, educar exige uma análise de pelo menos três significados relacionados
ao termo. O primeiro é aquele correspondente ao ensino espontâneo e involuntário
que se dá pela transmissão de valores que iniciam na família e são
complementados com técnicas apropriadas para o desenvolvimento de estratégias
que permitam o convívio exitoso no grupo social. O segundo se refere à prática
escolar e seus métodos pedagógicos, todo o instrumental didático disponível
para a construção do ensino-aprendizagem. Por terceiro, a educação se torna uma
reflexão filosófica onde seus métodos, ferramentas, teorias, práticas e
objetivos são pensados com a finalidade de estabelecer uma resposta mais clara
possível sobre as perguntas fundamentais dirigidas à atividade: o que é educar,
como se faz isto e quem está envolvido.
Na
pluralidade contemporânea da sala de aula, o professor se depara com um
universo de possibilidades ligadas à educação. E toda a sua formação pessoal e
profissional é requisitada para estabelecer comunicação efetiva com seus alunos
e nesta interlocução, trabalhar emissão, recepção e retroalimentação da
mensagem. Isto se dá no sentido de que a dinâmica do diálogo educativo permite
situações nem sempre previstas, apesar de prováveis. Nem todos aprendem no mesmo
tempo e da mesma forma. Razões que conduzem o educador a avaliar casos
relevantes e a propor alterações que corrijam rumos e levem ao objetivo.
Neste
sentido de objetividade, a educação brasileira é orientada. Ela é regulada pela
Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96 que diz ser função da escola ensinar os
conteúdos ordinários do currículo regular, mas de modo geral o ensino tem que
convergir para a formação de cidadãos. Perspectiva que consagra a democracia
como sistema político de valor máximo e pressupõe a existência da liberdade e
igualdade como fundamentos civis. Cabe ao Estado, assim, enquanto agente
promotor da educação pública pelo seu sistema de ensino e pelos parâmetros
legais que emanam da Constituição, garantir acesso à escola e estimular a
permanência nela. O Brasil, uma república democrática, é uma nação que chega a
esta etapa de sua história assumindo valores e compromissos que o fazem como é
e que projetam seu futuro.
2.2
DESTINO E DEMOCRACIA
Immanuel
Kant, um dos maiores nomes do Iluminismo alemão e da filosofia em todos os
tempos, considera que há um fim na História. A humanidade, segundo ele, caminha
destinada progressivamente para um estado social melhor conforme um plano
teleológico a ser realizado na espécie e pela espécie. Esta ascensão é
construída por meio do uso da razão e a consequente admissão de princípios
transcendentais que orientam o indivíduo na aquisição da moral e no exercício
da liberdade. Como ser concreto, o homem é condicionado a viver num mundo
regido pela causalidade necessária presente na natureza. Mas como ser
transcendental, o homem é livre, não sujeito às causas ou outras categorias
aplicadas ao ser, e pode exercer o dever de fazer o melhor possível e
contribuir para o avanço da humanidade. A república é, por esta perspectiva, um
modo de organização política e social superior, ponte para construções legais e
éticas maiores e determinantes para o crescimento do homem na História.
“[...] a
natureza quer que a humanidade proporcione a si mesma este propósito, como
todos os outros fins de sua destinação: assim uma sociedade na qual a liberdade sob leis exteriores
encontra-se ligada no mais alto grau a um poder irresistível, ou seja, uma constituição civil perfeitamente justa, deve ser a mais elevada tarefa da
natureza para a espécie humana [...]” (KANT, 1986, p. 15)
Desta
afirmação de Kant, publicada pela primeira vez em 1784, passamos pelo principal
fato contemporâneo, a Revolução Francesa. O levante popular de 1789, orientado
pelo pensamento iluminista não somente de Kant, mas principalmente de franceses
como Rousseau, Voltaire, Diderot, Montesquieu, derrubou junto à monarquia, uma
arquitetura social, política e filosófica que repercutiria nos séculos
seguintes, como a ideia de que não há ordem divina na estratificação social e
que as classes e a história pertencem ao homem e podem ser modificadas. A
revolução trouxe o rompimento entre Estado e Igreja, instituindo a sociedade
laica no Ocidente, regida por leis formuladas sob princípios civis sem
ingerência da religião. “Seu lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité) universalizou-se,
tornando-se uma bandeira da humanidade inteira.” (SCHILLING, 1998, p. 55) Em 26
de agosto de 1789 foi aprovado pela Assembleia Nacional Constituinte francesa o
documento que se tornaria referência para os países democráticos, a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão que, em seu artigo primeiro declara, como
aponta Schilling, que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em
direitos; as distinções sociais não podem ser fundadas senão sobre a utilidade
comum.” (1998, p. 62) A Declaração consagrava, ao fim de um ciclo e início de
outro de magnitude global, a concepção de que o homem pertence a um grupo
distinto de seres da natureza e que possuem algo em comum, um direito natural à
sua humanidade como um dia pensaram já os legisladores romanos e antes deles
alguns filósofos. É, por isto, o homem, criatura desta terra e sobre si recai um
direito a existir com dignidade que será expressa em lei para que seja
reconhecida e respeitada por todos. Caracteriza-se o homem por ser detentor de
direitos que o tornam cidadão. “Para as estruturas da polis grega ou da urbs
romana, o cidadão é, enfim, aquele que sempre está presente nos acontecimentos
cívicos ou que por eles se mostra interessado.” (SCHILLING, p. 129) Nota-se que
o exercício da cidadania requer algum modo de participação ativa, não passiva,
nos assuntos que provocam impactos no cotidiano político e social onde o
cidadão está inserido. Para que haja de fato oportunidade de ação e condições
para que ela se concretize, a igualdade e a liberdade são imprescindíveis.
2.3
IGUALDADE, LIBERDADE E EDUCAÇÃO
Observar
as sociedades é perceber contradições. Poucas são as que possuem justiça social
suficiente, sendo nações onde há prosperidade material e satisfação íntima de
seus habitantes, o que se pode chamar de relativa felicidade, o bem-estar comum
que é a finalidade da política. Em muitos países democráticos, o que se vê são
tensões constantes por direitos reivindicados e que deveriam ser garantidos
pelos Estados que os mantêm expressos em leis e políticas públicas nem sempre
eficazes. A democracia ainda se constrói com progressões mais ou menos lentas. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em 1948, trouxe compromissos para os países membros e, portanto,
signatários. O Brasil é um deles e tem neste documento um dos referenciais
legais iniciais para seu projeto nacional de educação democrática. A Declaração
afirma em seus artigos 1ᵒ e 26ᵒ que todos são iguais em direitos e não devem
sofrer discriminações de qualquer natureza; toda pessoa tem direito à educação e
esta deve favorecer a expansão da personalidade de cada um, reforçar os
direitos humanos, as liberdades e ajudar na compreensão, na tolerância e na
amizade entre todos. (MEC, 2004, p. 14) Um marco de valores propagados, aceitos
e ratificados em novos acordos referenciais. Em 1990 o Brasil esteve em
Jomtien, na Tailândia, participando da Conferência Mundial sobre Educação para
Todos. De lá saiu o compromisso de levar educação para todos os homens e
mulheres de qualquer idade em todo o planeta. Ao assinar a Declaração de
Jomtien, o Brasil se comprometeu a erradicar o analfabetismo e a proporcionar
uma cultura de progresso e de tolerância por meio da educação. Chegando à
Conferência de Salamanca, na Espanha, em 1994, o Brasil ingressou na comunidade
dos países empenhados em promover a educação inclusiva para crianças com
necessidades especiais. Um dos artigos da declaração elaborada na Conferência
Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, diz que
aqueles que possuem necessidades educativas especiais serão aceitos e
integrados em escolas comuns, que terão uma pedagogia voltada à criança e capaz
de atender suas necessidades. Escolas estas que trabalharão a integração e
combaterão discriminações criando compreensão e tolerância às diferenças. (MEC,
2004, p 16). Cinco anos depois, a Convenção Interamericana para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência levou
aos países participantes a ratificação do princípio de que os deficientes
possuem os mesmos direitos e liberdades básicas que qualquer pessoa e não podem
ser discriminados por suas diferenças físicas, mentais ou sensoriais
permanentes ou transitórias que limitem suas capacidades de ação. (MEC, 2004,
p. 17) Nota-se que estes movimentos internacionais dirigem esforços para a
consolidação de práticas erigidas sobre bases ideais democráticas num claro
plano de expansão de liberdades e da noção de dignidade humana acima de
qualquer distinção de opinião e de restrições físicas ou cognitivas. O Humano é
mais importante e é isto que precisa ser construído em todos os seres humanos
em áreas diferentes, com culturas diferentes, com outras histórias de vida.
Porém, estas diferenças não devem ser fator de estranhamento e rechaços. Senão
de compreensão e aceitação quando estes valores são positivos ao homem e são
legítimas expressões da pluralidade criativa de cada povo. Tudo o que eleva a
espécie merece ser aproveitado, respeitado, mantido, estimulado. O que se
constrói com isso é uma cultura de entendimento além de limites geográficos, de
barreiras sociais, de restrições motoras, emocionais e intelectuais. A educação
é instrumento para alcançar este desiderato também brasileiro.
3 BRASIL E A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
3.1 A EDUCAÇÃO
SOB LEIS E ACORDOS
O
marco legal para qualquer cidadão brasileiro é a Constituição Federal,
promulgada em 1988. Dela emana a vontade popular interpretada pela Assembleia
Nacional Constituinte responsável pela elaboração da Carta Magna ao fim do
período de governo autoritário iniciado em 1964. O Brasil se tornou, desde o
dia 5 de outubro de 1988, um Estado Democrático de Direito, onde a democracia
como regime político está expressa na Lei e só derrubando a Constituição a
democracia deixará de ser vigente no país. Portanto, os princípios democráticos
de liberdade de expressão, de locomoção, direito à propriedade e sua defesa,
igualdade de tratamento e de acesso aos bens sociais, culturais, materiais,
etc. devem estar ao alcance de cada um. A educação está deste modo como um dos
serviços elementares e necessários de acesso universal para todos os
brasileiros. O Estado deve oferecê-la, a Educação Básica, obrigatoriamente,
pública e gratuita dentro do Sistema de Ensino articulado entre União, Estados
e Municípios, cada qual com competências específicas.
Em
1990, a promulgação da Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
surgiu como outro referencial no que toca à educação e aos deveres do Estado. O
ECA garante em seu artigo 53ᵒ que as crianças e os adolescentes possuem a
educação como um direito e ela deve formá-los como pessoas e prepará-los para o
exercício da cidadania e para o trabalho. O artigo seguinte aponta que as
crianças e os adolescentes deficientes devem ter acesso ao atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular. (MEC, 2004, p.
19)
Já
em 1996, o Brasil tem a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96, em
atual vigência. Tendo como parâmetro maior a Constituição, a LDB normatiza o
ensino no país. O projeto educacional brasileiro que tem por base a formação de
cidadãos capazes de serem críticos, cientes de seus direitos e deveres,
habilitados para o trabalho, independentes, autônomos e amplamente sociáveis,
em cada escola do país, tem por guia o que diz a Lei. São também cidadãos
beneficiados pelas normas, os deficientes. Para integrá-los, o sistema de
ensino brasileiro lança mão de ações voltadas à educação inclusiva.
3.2
UMA ESCOLA PARA TODOS
Situa-se
a educação brasileira no que diz respeito a marcos legais que podem ser tomados
por principais e a partir disso entende-se, ao menos em parte, mas de maneira
segura, como o Brasil optou por este caminho democrático, desde suas raízes
filosóficas republicanas e como uma escola aberta e inclusiva é determinante na
realização deste destino político. Certamente não serão citadas aqui todas as
leis que regulam a educação na totalidade de seus aspectos que vão desde a
instância administrativa em cada esfera à ponta do processo, a sala de aula.
Todavia, se encontram pontuados neste trabalho os instrumentos que se pode
chamar de pilares deste edifício ideológico que se materializa no ato educativo
cotidiano.
Retomando
parte da arquitetura legal já exposta e acrescentando, aponta Kuroski (2011, p.
46) os documentos regentes da educação brasileira, a começar pela Constituição
Federal de 1988, seguida da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996. A partir dela,
o Plano Nacional de Educação, PNE, aprovado em janeiro de 2001. Este
instrumento deu sustentação às políticas e aos programas de governo
direcionados à educação para atacar problemas crônicos como o analfabetismo e a
necessidade de erradicação do mesmo, o atendimento escolar universal, melhorar
a qualidade do ensino, preparar para o trabalho e promover o cidadão. O PNE,
com validade de 10 anos, permitiu que estados e municípios se tornassem
autônomos e operassem em regime de colaboração, descentralizando a educação.
Surgiram os Planos Estaduais de Educação e os Planos Municipais de Educação, sendo
estes últimos os que estabelecem “diretrizes e metas para todos os níveis de
ensino (desde a Ed. Infantil até o Ensino Superior) entendendo que se trata da
educação no município e não apenas da rede municipal de escolas.” (KUROSKI,
2011, p. 46) Depois, em 2010, a Conferência Nacional de Educação veio reavaliar
o PNE e tratar de reelaborar diretrizes para os próximos 10 anos e trazer para
as estratégias de ação a inclusão, a igualdade e a diversidade.
Para
que o Brasil chegasse finalmente ao Plano Nacional de Educação, houve a
contribuição do decreto 3.298/99 instituindo a Política Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
“No que se
refere especificamente à educação, o Decreto estabelece a matrícula compulsória
de pessoas com deficiência, em cursos regulares, a consideração de educação
especial como modalidade de educação escolar que permeia transversalmente todos
os níveis e modalidades de ensino, a oferta obrigatória e gratuita da educação
especial em estabelecimentos públicos de ensino, dentre outras medidas (Art.
24, I, II, III, IV).” (MEC, 2004, p. 20)
Ao
ser implantado no início de 2001, o Plano Nacional de Educação então
determinaria o empenho para desenvolver, em todos os municípios, programas
educacionais em colaboração com os setores de saúde e assistência social com o
objetivo de aumentar a oferta de vagas na educação infantil; alcançar de
padrões básicos de infraestrutura das unidades de ensino para atender
estudantes com necessidades educacionais especiais; formar a continuar
qualificando educadores para atender às necessidades dos alunos; manter
disponíveis ferramentas didáticas apropriadas para as áreas auditiva e visual;
conjugar a educação especial com a formação para o trabalho; dar incentivo às
pesquisas referentes às necessidades educacionais; articular um sistema
informativo sobre a população cliente da educação especial. (MEC, 2004, p. 21)
Em
outubro do mesmo ano, ou seja, nove meses após o PNE entrar em vigor, o Brasil
também promulgou o decreto 3.956/01, a Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência. Neste documento o país
assume empregar todos os esforços legais, educacionais, trabalhistas ou de
qualquer outra natureza para buscar a eliminação de preconceitos e
discriminações dos deficientes e ainda promover a integração total destas
pessoas na sociedade. Significa adotar iniciativas de comunicação com a
população para informar sobre direitos e deveres, bem como qualificar
mecanismos de inclusão como a escola.
3.3
PROPOSTA EDUCATIVA
Thomas
Hobbes diz que o homem, no estado de natureza, é vil. Egoísta, pensa em si
mesmo e trapaça para satisfazer suas necessidades. Precisa, por isto, de leis
para equilibrar o convívio e garantir a distribuição da justiça. Jean-Jacques
Rousseau afirma o contrário, que o homem é naturalmente bom. Ao observar a natureza
se vê a harmonia entre as espécies que competem, mas com bases instintivas. Não
há, portanto, imoralidade por não haver moral e sim cada um lutando pelo seu
próprio bem sem vilezas ou crueldades. Como os animais, o homem natural se
satisfaz com o que obtém para a própria conservação. Todavia, a vida em
sociedade leva o homem à acumulação e ao consequente uso da razão para criar
artifícios que corrompem sua bondade e o tornam mau. Para que se tenha uma
sociedade justa é preciso a formulação de leis que sejam a verdadeira expressão
do povo para o bem do povo e que estas normas signifiquem liberdade e igualdade
entre todos. Atendo-se a estes dois filósofos dos séculos XVII e XVIII, período
em que floresceram ideias que viriam a formar os Estados Modernos, evidencia-se
que apesar da divergência entre os pontos de vista sobre a índole natural
humana, há em comum que a sociedade é perversa em algum nível e necessita de
modelos disciplinadores ou educativos. Para Kant, filósofo das Luzes, “o meio
de que a natureza se serve para realizar o desenvolvimento de todas as suas
disposições é o antagonismo [...]” (1986, p. 13), uma clara afirmação de que é
na diversidade que ocorre o crescimento. Segundo o pensador alemão, o ser
humano possui a tendência a socializar-se, porém há nele também uma disposição
para romper pactos da comunidade e satisfazer seus interesses particulares.
Neste jogo de forças entre a tensão de vontades distintas é que os avanços
sociais ocorrem em realização do plano de progresso da História.
“Esta oposição é
a que, despertando todas as forças do homem, o leva a superar sua tendência à
preguiça e, movido pela busca de projeção (Ehrsucht),
pela ânsia de dominação (Herrschsucht)
ou pela cobiça (Habsucht), a
proporcionar-se uma posição entre companheiros que ele não atura mas dos quais não pode prescindir.
Dão-se então os primeiros verdadeiros passos que levarão da rudeza à cultura,
que consiste propriamente no valor social do homem; [...]” (KANT, 1986, p. 13)
Esta
visão de Kant parece ser o pensamento que ecoa pelos séculos de filosofia desde
antes de Sócrates, quando um dos mais eminentes pensadores da antiguidade
grega, Heráclito, dizia que “tudo se faz por contraste; da luta dos contrários
nasce a mais bela harmonia.” (BORNHEIM, 1997, p. 36). Pois é no choque das
diferenças entre pessoas não deficientes e deficientes que se entende que deva
ser produzida “a mais bela harmonia” da tolerância, da fraternidade e da
solidariedade. Estes são valores da sociedade democrática brasileira que ainda
não estão prontos pelo fato de que o ser humano melhor ainda não está acabado.
No entanto o caminho traçado como proposta educativa que há de formar cidadãos
competentes para as profissões, mas acima de tudo seres humanos no sentido do
termo em crescente ascensão, deficientes ou não, capazes de conviver de modo
harmônico e cooperativo, passa pela educação pública para consecutivamente ou
simultaneamente retornar e se instalar como valor cultural na sociedade e assim
ser transmitido de maneira difusa de todos para todos, nas famílias e nos
demais ambientes de convivência. A
subida a este patamar exige, de fato, o compromisso dos educadores de hoje e do
futuro.
4 O EDUCADOR
4.1 COMPROMISSO
DOCENTE
A
ideia de um humanismo cosmopolita universal é um pensamento que se pode
destacar na antiguidade. No estoicismo de Plutarco de Queronéia ao se referir a
Zenão de Cítio fala-se de uma sociedade única.
“O admiradíssimo
Estado de Zenão, fundador da seita estóica, tende em suma a esta unidade: que
não sejamos governados por cidadãos ou por nações, cada uma delas distintas por
leis próprias, mas que consideremos todos os homens conacionais e concidadãos,
e que a vida seja uma só e um só mundo, como rebanho todo unido, criado com uma
lei comum.” (PLUTARCO, De Alex. virt., I, 6, 329 apud MONDOLFO, 1973, p.
120)
Em
outros filósofos e teólogos de expressão o antropocentrismo humanista surge
como valor ético primordial, suporte de doutrinas e leis. Ao ser tratado por
Kant, o tema é por ele apresentado como um dos fundamentos para conceber um
mundo unido onde estados nacionais, particulares em suas culturas, sejam ao
mesmo tempo interligados por razões comuns de liberdade e igualdade entre as
pessoas. Valores que são construídos de modo elementar e concêntrico, social e
escolar, local, nacional e internacional. Tópico sempre presente entre
pensadores de todas as épocas, esta noção de que o homem é um só e toda a Terra
é seu lar por direito é central em trabalhos do sociólogo Edgar Morin.
A
construção de uma sociedade global, segundo o pensador francês, tem como
requisito a democracia. Nela, o sistema político mais civilizado (MORIN, 1995,
p. 118), está em ação o esforço coletivo para que a liberdade, a igualdade e
fraternidade sejam mais do que aspirações e se tornem pressupostos éticos da
vida comum cotidiana.
“Assim, a
democracia, que exige simultaneamente consenso e conflitualidade, é muito mais
que o exercício da soberania do povo. É um sistema complexo de organização e de
civilização que alimenta (ao alimentar-se dela) a autonomia de espírito dos
indivíduos, sua liberdade de opinião e de expressão, e o ideal trinitário Liberdade,
Igualdade, Fraternidade.” (MORIN, 1995, p. 119)
A
democratização, civilização do homem, é resultado da educação em seu
significado total, de troca de saberes que começa no núcleo familiar e vai às
instâncias sociais maiores, entre elas, a escola. É dar a cada pessoa poder de
ser independente em seus julgamentos e de fazê-los o mais justo que puderem
dentro dos parâmetros democráticos elevados à condição normativa pela Revolução
Francesa. Mas, como lembra Morin, o excesso de liberdade sufoca a igualdade; a
igualdade, sendo uma imposição, destrói a liberdade e a fraternidade. Esta
última, fundamento dos vínculos legítimos da cidadania, não se materializa
senão pela disposição de cada um, não pode ser decretada. Resume-se isto à
mentalidade que está em formação e que se deseja, virá substituir velhos
paradigmas autoritários e excludentes.
O educador assume, sob esta visão,
responsabilidade nuclear na edificação da sociedade do futuro, mais
democrática. Para Benzatti, ao examinar as propostas de Morin sobre a educação,
os professores possuem a tarefa de transmitir, estimular, firmar nos estudantes
a ética da compreensão.
“Essa ética
apregoa o compreender de modo desinteressado e mais ainda, que se possa
compreender a própria incompreensão. Deveremos estimular o auto-exame
permanente de nossas atitudes, de nossos pensamentos e de nossos julgamentos.
Sendo insuficientes e incompletos não podemos ser o juiz de todos e de tudo.
Necessitamos nos compreendermos mutuamente, compreendendo nossos limites e
possibilidades. A partir destes, compreendermos melhor nossas potencialidades.
A ética da compreensão requer uma abertura simpática ao outro, não somente ao
próximo, mas ao distante. A ética da compreensão requer tolerância para as
ideias de convicções diferentes das nossas. Essa ética é fundamentada na
convicção, na fé e na aceitação radical do diferente. Sua possibilidade de
efetivação está ligada ao nosso poder de ouvir, de entender e de se comunicar
com o outro.“ (BENZATTI, p. 11)
O
próximo e o distante. Não são simplesmente aqueles separados geograficamente,
mas aqueles diferidos por distâncias motoras, sensoriais e cognitivas. É o que
se pensa em relação ao outro. O quanto é necessária construção de pontes para
que as diferenças sejam não mais tomadas por critérios suficientes para julgar
capacidades. A complexidade do mundo e a imensidão oceânica de informação, de
conhecimento e de habilidade para lidar com elas fazem exigências aos
educadores e aos alunos. Elas apontam para o abandono da prepotência que
subestima o outro em suas limitações. A pessoa deficiente, um dia considerada
incapacitada e por isso inútil à sociedade, hoje é incluída por força de lei e
pela sensibilidade que percebe ser irreal e preconceituosa a discriminação.
Cabe lembrar que aquele que é considerado o maior físico do planeta após Albert
Einstein, é uma pessoa deficiente. Fala-se de Stephen Hawking.
Neste
caminho, o mundo se depara com exemplos de atletas paraolímpicos, de histórias
de vida repletas de realizações surpreendentes e de afetividade onde os
deficientes são protagonistas. Nem todos são personagens célebres para a
História, mas cada um possuiu sua própria história de vida. Incluir o
deficiente, o outro, na sociedade reduzindo barreiras arquitetônicas ou abrindo
a escola à sua participação entre os não deficientes é medida pedagógica para
todos. Contribui para formar o deficiente preparando-o para o uso de seus
talentos de modo efetivo como cidadão e reeduca os não deficientes para olhar o
outro com fraternidade e assim efetivar também a igualdade e a liberdade que
devem imperar no seio das democracias.
Os
fundamentos filosóficos, as leis, os acordos, os projetos pedagógicos, a
preparação dos professores compõem a estrutura do plano inclusivo. Mas do âmbito
teórico à prática diária nas escolas brasileiras, a caminho é de uma realização
difícil. Nenhum estabelecimento público ou privado de ensino pode se negar a
receber um aluno com deficiência conforme o artigo 8ᵒ da lei 7.853/89. É
necessário, portanto, aplicar recursos materiais e humanos cada vez mais em
quantidade e qualidade para satisfazer as expectativas do público alvo.
4.2
NA PRÁTICA
Para
entender melhor a realidade da educação brasileira no que tange a inclusão, é
preciso olhar para as escolas. Porém, mesmo que se tente, não é possível
abraçar todo o espectro nacional com suas particularidades. A educação é
direito constitucional. Todavia, as escolas são autônomas para implantar seus
projetos pedagógicos. Há escolas com mais e com menos recursos. Há professores
mais ou menos preparados ou dedicados à função de educar alunos especiais.
Estas variantes, entre outras, podem facilitar ou dificultar o ensino. A
proposta, deste modo, é fazer um recorte tênue para abrir uma minúscula janela
por onde se pode observar o dia a dia de educadores e alunos com deficiência e
enxergar o plano de ação que começa com o Estado e termina na relação professor-aluno.
Os casos foram indicados pela ONG Todos pela Educação (2006) em contato
estabelecido com a mesma.
4.3
OS CASOS
O
Movimento Down (2012) é uma iniciativa brasileira desenvolvida para promover a
inclusão de pessoas com Síndrome de Down e deficiência intelectual na
sociedade. A organização vê como positiva a procura da rede pública por pessoas
com deficiência e o consequente aumento nas matrículas. Mas considera que a
falta de recursos humanos e pedagógicos para o atendimento à demanda ainda é um
entrave. O Movimento Down entende que esta precariedade não se dá por
discriminação e é sim uma carência geral do sistema de ensino e que a escola brasileira
ainda precisa evoluir muito para ofertar educação de qualidade para todos,
incluindo a população deficiente. No sentido de contribuir para a melhora do
ensino, a inclusão pode ser positiva ao forçar a preparação escolar para
receber alunos especiais. Sobre a rede privada, a organização avalia que há um
empenho para melhorar as condições de ensino para o público deficiente ou não e
em relação aos pais de alunos com deficiência intelectual, eles enfrentam ainda
o custeio com profissionais para cuidar e educar seus filhos quando a escola
falha. Além da Educação Básica, o Movimento Down avalia ainda a inclusão no
Ensino Médio e na Educação Superior, ambos com carências semelhantes às
encontradas nas séries iniciais.
Organização
sem fins lucrativos, o Instituto Rodrigo Mendes (2013) se dedica a trabalhar
pela inclusão social de pessoas deficientes por meio da arte e da educação.
Possui um amplo trabalho e conta com um acervo de relatos de experiências de
professores que trabalham com alunos especiais. Os casos trazem informações
sobre o cotidiano na escola e apresentam exemplos que podem servir aos
educadores de diferentes realidades. Três relatos ilustram o trabalho.
A
professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa dos níveis Fundamental e Médio
na Escola de Educação Básica São José, em Herval D’Oeste, Santa Catarina, Tânia
Maria Mandaial Rosa, (2012) relata experiências de sala de aula com alunos
deficientes. Aponta Tânia que o processo de ensino ao longo dos anos não
conquistou a excelência pretendida, mas que houve avanços. Segundo ela, o apoio
da comunidade escolar foi importante para os progressos realizados. Cita a
participação dos pais na educação dos filhos. Mas, conforme a professora, os
gestores ainda carecem de preparo para lidar com situações envolvendo
estudantes com deficiência e se colocam como expectadores do processo. De modo
geral, a educadora, Mestre em Letras, mostra que ao trabalhar com alunos com
deficiência em grupos onde a maioria é formada por alunos não deficientes, é
preciso ser flexível e atento para perceber onde há avanços e onde não há e
assim propor correções. O planejamento e o envolvimento de parceiros contribuem
de forma determinante para o sucesso e as conquistas dos alunos com deficiência
contagiam o ambiente escolar e servem de estímulo para novos desafios.
Valéria
Cé Guerisoli, (2012) que não indicou a escola, conta o caso de um aluno surdo
da Educação Infantil. O estudante, segundo ela, foi afastado da escola que
frequentava por decisão da secretaria de Educação do município que entendeu que
ele deveria cursar uma escola especial para surdos. A família recorreu porque a
nova escola era longe da casa do estudante e frequentá-la demandava recursos
que a família não dispunha. O aluno retornou à antiga unidade de ensino e um
estagiário em Libras foi contratado para auxiliar na comunicação. Para receber
este aluno em sua turma no 1ᵒ ano do I Ciclo, a professora Valéria buscou
aprender Libras por iniciativa própria. No trabalho em sala de aula ela propôs
a comunicação em Libras com toda a turma, que foi receptiva, criando um
ambiente favorável à inclusão do aluno surdo. A alfabetização ocorreu e a
Libras foi introduzida à turma de não surdos como segunda língua, abrindo
possibilidades de comunicação e rompendo barreiras relacionadas à surdez.
O
terceiro e último caso é o da professora Tatiana de Cassia Gennari Sparapan. A
graduada em Letras e especialista em deficiência auditiva, que também não citou
a escola, traz a experiência com um aluno surdo do 5ᵒ ano Fundamental. A
professora conta que ao recebê-lo em sua turma, o aluno, com 10 anos de idade,
não sabia se comunicar em Libras nem mesmo naquilo que seria básico, como nome
e idade. Ao investigar o histórico escolar do estudante, Tatiana descobriu que
onde ele estudava antes havia relaxamento quanto à presença dele em aula. O
aluno faltava muito, não interagia e não havia um profissional de educação
conhecedor da Língua de Sinais que pudesse ensiná-lo. Estes fatores haviam
interferido seriamente na aprendizagem, conforme a educadora. Foi necessário
trabalhar com o aluno em horários alternativos e, mesmo o estudante tendo que
ser transferido, a professora Tatiana continuou a acompanhar o desenvolvimento
dele. Ela relata que teve que enfrentar a rejeição inicial da outra professora,
depois superada. Segundo Tatiana, a mãe do aluno é interessada e participa
bastante na educação do filho. Mas não sabe Libras, assim como o resto da
família, ouvinte, também não conhece a língua. A professora procurou envolver
ainda mais a mãe ao explicar que é importante dialogar com o filho e para isto,
Libras é essencial. A educadora conta que o aluno se tornou muito falante e fez
significativos progressos a partir da iniciativa pessoal e dedicada dela para
ensiná-lo. Tatiana Sparapan encerra seu relato dizendo que “sempre falo aos
meus colegas que não faço nada, dependo dos professores que trabalham comigo,
da escola, do meu aluno e da família, somos uma equipe que precisa estar em
união para se obter bons resultados.” (2012)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
depoimento da professora Tatiana Sparapan encerra o que se tentou expor sobre
educar de modo inclusivo e democrático. Ele serve como fim, mas também como
início de uma reflexão. Pois como numa espiral ascendente, ao se passar pelo
ponto onde se estava antes do ciclo ter sido completo, deve-se estar num degrau
acima. Isto é evolução: idealizar, praticar, ensinar, aprender para novamente refletir
e ensinar, mas sobre bases novas, mais avançadas. E nada mais vanguarda do que
o homem de posse da plenitude de suas capacidades. Sujeito central das ações
que se propõem ser o fundamento de uma sociedade mais livre, igualitária e
fraterna. Uma sociedade democrática onde educar é libertar.
Livres
das amarras de suas deficiências, todos podem ser melhores, pois se as
barreiras inibem, removê-las abre caminho para andar adiante. Uma educação de
essência democrática como é a proposta brasileira tende a isto: levar pessoas
com deficiência física e cognitiva à superação de seus limites e à integração
plena na coletividade tanto quanto possível mostrando que elas têm valores
únicos e positivos; levar pessoas ditas normais, mas com a deficiência do
preconceito à eliminação do mesmo pelo convívio que desmistifica falsos
paradigmas amparados em velhas opiniões nem sempre baseadas em fatos que
pudessem comprová-las de modo irrefutável.
Educar
é um processo que não pode ser calculado com exatidão. O homem é dinâmico e faz
dinâmica a História. Dos fundamentos filosóficos sobre a natureza do ser
cognitivo e como se dá a educação à realização em sala de aula, muito se
teorizou e ainda se vai teorizar. O importante, porém, é que haja condições
para que o binômio ensino-aprendizagem ocorra conforme os planos traçados
quando estes estão postos. No Brasil, eles são claros no papel: formar cidadãos
capazes e participativos, indistintamente se eles possuem deficiências ou não.
Mas ao ser realizado, este projeto de nação de homens livres e independentes
esbarra em omissões e estruturas insuficientes para a grandeza do objetivo estabelecido.
Isto é um limite imposto a todos que, frente a ele, podem adotar a postura da
derrota e da conformação, como antes se tentava classificar as pessoas com
deficiência: incapazes para tal tarefa. A outra postura é oposta e mais
condizente com o que se espera de cidadãos ativos: a da inconformidade e a da
luta incessante para continuar educando com qualidade crescente. Adotando este
comportamento construtivo, a nação é despertada para aquilo que diz a
professora Tatiana: sozinho, pouco se pode fazer. Mas somos muitos, somos uma
equipe formada pela escola, por professores, familiares, amigos, sociedade,
governo. Em conjunto se trabalha com esforço para fazer um país mais justo e
acolhedor tendo a educação inclusiva como parte desta construção. E como um
país melhor, mais democrático, se dá também mostra ao mundo de que é possível.
REFERÊNCIAS
KANT, Immanuel. Idéia de uma História universal de um ponto
de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986.
BORNHEIM, Gerd. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo:
Editora Cultrix, 1997.
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Editora Sulina, 1995.
MONDOLFO,
Rodolfo. O pensamento antigo. São
Paulo: Editora Mestre Jou, 1973.
KUROSKI, Cristina.
Estrutura e funcionamento do ensino.
Indaial, SC: Editora Grupo UNIASSELVI, 2011.
PISTONE,
Antonietta di. Introduzione alla
Filosofia dell’Educazione. Itália, [20--]. Disponível em: ˂http://www.filosofico.net/introfileducazpistone.htm˃. Acessado em
24/02/2013.
MEC. Programa Educação Inclusiva. A
fundamentação filosófica 1. Brasília, 2004. Disponível em: ˂http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002120.pdf˃. Acessado em
17/02/2013.
BENZATTI,
Eduardo. A educação e os educadores do
futuro. MEC, Brasília. Disponível em: ˂http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000335.pdf˃. Acessado em:
17/02/2013
TODOS PELA
EDUCAÇÃO. Institucional. 2006.
Disponível em: ˂http://www.todospelaeducacao.org.br˃. Acessado em:
27/08/2013.
MOVIMENTO DOWN. Educação e Síndrome de Down. 2012. Disponível
em: ˂http://www.movimentodown.org.br/educacao/educacao-e-sindrome-de-down/˃. Acesso em:
26/02/2013.
INSTITUTO
RODRIGO MENDES. 2013. Disponível em: ˂http://www.institutorodrigomendes.org.br/˃ Acessado em:
27/02/2013
ROSA, Tânia
Maria Mandial. Leitura Literária
Inclusiva: um dos caminhos para aprender com as diferenças. Herval D’Oeste,
SC, 23 de novembro de 2012. Disponível em: ˂http://diversa.org.br/acervo-de-relatos/acervo-de-relatos.php?id=2162&/tania_maria_mandial_rosa˃. Acessado em:
25/02/2013
GUERISOLI,
Valéria Cé. Libras e Alfabetização:
caminhos que se cruzam. 20 de novembro de 2012. Disponível em: ˂http://diversa.org.br/acervo-de-relatos/acervo-de-relatos.php?id=2148&/valeria_ce_guerisoli˃. Acessado em:
25/02/2013
SPARAPAN,
Tatiana de Cassia Gennari. 19 de novembro de 2012. Disponível em: ˂http://diversa.org.br/acervo-de-relatos/acervo-de-relatos.php?id=2142&/tatiana_de_cassia_gennari_sparapan˃. Acessado em
25/02/2013.
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Questões de estudo 3
Ao encerrar o caderno de
estudos de Filosofia Geral e da Educação, muitas questões permanecem em aberto.
E por falar em essência, por exemplo, o caderno de estudos traz um texto sobre fenomenologia. Apresenta este campo da Filosofia e afirma ser ela “o estudo dos fenômenos, distinto do estudo do ser, ou ontologia.” (p. 155)
É uma colocação temerária.
Se a fenomenologia difere no entendimento do Ser em relação a outros sistemas filosóficos, não significa afirmar que ela é distinta do estudo do ser ou ontologia. Isto sugere uma oposição entre a fenomenologia e a ontologia e não é o que ocorre.
foto: filosofosforos
E deve ser exatamente
assim.
A Filosofia é questionadora,
por isso, é viva e em evolução.
Como dissemos em outras ocasiões, os tópicos levantados pela disciplina precisam ser vistos apenas como
sugestões de assuntos e abordagens de temas relevantes para a Filosofia. Seria
interessante, como caminho de investigação, seguir a as bibliografias que
serviram de base para as lições do caderno, especialmente para os alunos da
Licenciatura em Filosofia, já que vão necessitar durante a carreira de
professor ou pesquisador, se forem segui-las, dominar as linhas centrais do
estudo filosófico e ser capazes de relacioná-los com saberes periféricos.
Isto é essencial. E por falar em essência, por exemplo, o caderno de estudos traz um texto sobre fenomenologia. Apresenta este campo da Filosofia e afirma ser ela “o estudo dos fenômenos, distinto do estudo do ser, ou ontologia.” (p. 155)
É uma colocação temerária.
Se a fenomenologia difere no entendimento do Ser em relação a outros sistemas filosóficos, não significa afirmar que ela é distinta do estudo do ser ou ontologia. Isto sugere uma oposição entre a fenomenologia e a ontologia e não é o que ocorre.
A Fenomenologia está tão
preocupada em esclarecer o Ser quanto outros sistemas da Filosofia. Se não
fosse assim, não poderia ser chamada de Filosofia. Ao colocar o sujeito como
elemento central da compreensão do fenômeno, a Fenomenologia desloca, isto sim,
o foco da metafísica do objeto para a consciência, e segue fazendo ontologia.
“A relação entre
aparência e ser, na ontologia fenomenológica, pode ser definida ou analisada de
maneiras diferentes, mas não se amolda à tradição que relaciona aparência e
realidade.” (ABBAGNANO, p. 512)
Vale aprofundar as
leituras de Husserl e Scheler para compreender melhor a Fenomenologia e o que dela
recebe influência, como o Existencialismo.
Assim como ocorre com a Fenomenologia,
outros temas do caderno de estudos que estarão presentes ao longo do curso como
o trabalho, a ética ou a educação enquanto objetos da Filosofia apenas mostram a exigência de rigoroso esforço
intelectual para superar os limites introdutórios, se apropriar do que há de
relevante já produzido e contribuir para oferecer novos horizontes para o
conhecimento. foto: filosofosforos
Assinar:
Postagens (Atom)