Sua revista escolar de filosofia.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Na moral

A sociedade tem o relativismo como seu próprio credo.

Disse Bento XVI em fevereiro de 2011, quando ainda era Papa.
Segundo o pontífice, falar a verdade, ou aquilo que a Igreja considera verdadeiro, às vezes é perigoso.

O relativismo é a negação da possibilidade de uma doutrina ou conhecimento absoluto. Não há verdades absolutas que possam ser conhecidas pelo ser humano. No campo epistemológico e no ético. O que não significa que não haja valores. Pelo contrário, eles existem, só não estão fundados sobre bases irremovíveis nem se propõem a ser universais, imóveis ou perfeitos.

Mesmo que pareça paradoxal e absoluto afirmar que não há verdades absolutas, a sentença contém em essência a negação do absoluto, a essência do relativismo. Quando pronunciada, se autoanula ou seja, não é absoluto que não haja verdades absolutas. Estas podem até existir, mas não são admitidas pelos relativistas que não aceitam seus princípios.

Na vida prática, para o relativista, que não é niilista, pois ele tem valores, razões de ordem não dogmáticas, contrárias às derivadas de metafísicas com pretensão de explicar a origem verdadeira da realidade, orientam a conduta. Seria contraditório, portanto, um fiel católico relativista.

Não havendo então a possibilidade de verdades objetivas e absolutas, que valham para todos, restam verdades subjetivas, onde cada um ou cada grupo elege por verdadeiro o que melhor lhes parece.

Um problema e tanto quando o pensamento relativista se depara com estruturas já postas e que devem servir de parâmetros para a conduta e para o saber. Já no Teeteto, Platão dava um golpe fundo na opinião e no relativismo. Basicamente dizia que se dois sujeitos distintos possuem opiniões contrárias e simultâneas sobre o mesmo objeto e ambos estão com a verdade, ambos precisam admitir ao mesmo tempo que estão certos e errados. Digo que meu pensamento é verdadeiro e falso sob as mesmas condições (autoanulação da sentença "não há verdades absolutas"). É admitir a contradição, ser e não ser. Isto remete à mobilidade do Ser, como descrevia Heráclito ao afirmar que o ser muda o tempo todo, e deste modo não é possível afirmar nada, pois quando se diz "isto é", já não é mais. A consequência é um bloqueio lógico e com ele a incapacidade de pensar sensatamente e o consequente silêncio da razão.

Transportando para hoje, o relativismo ético, onde não há regras de conduta que sejam boas para todos, abre espaço para a pluralidade de subjetividades e comportamentos. São inúmeras as "tribos", as modas, as visões de mundo e da vida.


Todos a exigir respeito, que é de direito, e reivindicar para si a liberdade de expressão e opinião por estarem vivendo de modo autêntico e verdadeiro, segundo o que entendem como tal. Mas não é raro ver incoerênciaschoques entre diferentes pontos de vista quando eles são antagônicos demais. Alguns embates surgem quando um determinado princípio se sobressai no meio e ameaça se impor àqueles que discordam.

Neste sentido, percebe-se que em um nível mais prosaico, se exercita o relativismo sem problemas no dia a dia, dentro de limites.

Mas ele deve mesmo ser o credo da sociedade? 
O relativismo como doutrina é suficiente para ser o padrão de valores humanos?

Verdades absolutas realmente são uma ficção filosófica dispensável? 


Descartes, por exemplo, afirmava que a moral deve ser consequência da metafísica que ele propunha a partir da dúvida metódica. Há um Deus criador e mantenedor da realidade e há uma coisa que pensa e existe pensando, composta de corpo e que vive num mundo de incertezas que, ao serem analisadas pela razão, ou se tornam ideias claras e distintas, absolutas, ou são deixadas de lado por serem imprecisas e obscuras, com menor importância, até abandonadas por serem falsas.




Mas para conviver em paz, é preciso uma moral provisória que servirá até que se chegue a uma moral definitiva.

Que moral provisória é esta que Descartes sugere ser adotada?
Ela é relativista?

fontes: clmais/EFE, Comte-Sponville. Dicionário Filosófico, Abbagnano. Dicionário de Filosofia. Descartes. Discurso do Método
fotos: gutterseelper, listocomics

2 comentários:

  1. Para Descartes o verdadeiro é aquilo representado como ideia clara e distinta. Ou seja, é de tal modo evidente que não pode ser recusado pela razão. A dúvida metódica, radical, coloca em suspensão absolutamente tudo o que é dado pelos sentidos e tudo o que está na mente como conceito. Somente assim se pode chegar a alguma certeza inabalável. A primeira delas é a verdade metafísica do ser pensante, existente enquanto pensa ou opera pelo pensamento, no qual estão incluídas todas as operações mentais, como os sentimentos e sensações. O ato de duvidar se torna a certeza de existir. A segunda verdade metafísica fundamental é a existência de Deus. Há no ser pensante a ideia de infinito e de perfeição. Para Descartes, essas não são concebidas pelo próprio res cogitans, são dadas por algo que possui estas características. O ser pensante é finito e imperfeito ou seja, tem em si impotências e do impotente não se pode gerar o potente, como do menor não deriva o maior, mas sim o contrário, por subtração; o nada não gera o algo, mas da ausência do algo se cria o nada. O cogito, que não pode se autocriar nem se dar perfeições, foi criado e é sustentado por Deus, que deixou no cogito sua marca.

    Os costumes que fundamentam a moral e a ética, para Descartes, também devem ser submetidos à dúvida metódica para serem ratificados ou rejeitados. Porém, enquanto não se chega a uma moral definitiva, clara, distinta e verdadeira, o filósofo propõe que se estabeleça uma moral provisória. Descartes lança regras: viver segundo leis, costumes e opiniões dos mais sábios de sociedade onde se está; seguir as opiniões adotadas para não se perder em inquietações desnecessárias; dominar a si mesmo e não o destino, aceitando o que não pode ser alterado. Os juízos, segundo Descartes, estão sob influência das paixões e sábio é aquele que bem usa a razão para se conduzir de modo excelente e assim ser positivo também para a sociedade.

    Sobre o tema, ver o Discurso do Método e Meditações Metafísicas. O livro Descartes, a Metafísica da Modernidade, de Franklin Leopoldo e Silva, apresenta os principais conceitos do pensamento cartesiano.

    FRANKLIN, Leopoldo e Silva. Descartes. A metafísica da modernidade. São Paulo: Editora Moderna, 19--

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  2. Descartes vai procurar aquilo que tenha valor de verosimilhança na sociedade para ser tomado como moralmente positivo. Na impossibilidade de ter ainda uma moral definitiva e verdadeira, o que mais se aproxima dela é o parâmetro.

    "E entre várias opiniões igualmente aceites, escolhia apenas as mais moderadas: tanto porque são sempre as mais cômodas para a prática, e verossimilmente as melhores [...]" (SILVA, p. 145)

    No relativismo vale a tese de Protágoras, de que o homem é a medida de todas as coisas, cada um, portanto, com seus valores relativos. Tese atacada de frente por Platão no Teeteto. Contra o relativismo, defende-se que haja valores que sejam melhores do que outros e devem, por isso, ser tomados por verdadeiros, mesmo que não seja possível determiná-los como absolutos. Descartes vai ao encontro de valores com esta qualidade. Por isto não pode ser um relativista moral.

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