Sua revista escolar de filosofia.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Questões de estudo

Filosofia!

Em breve, um passo a mais em direção ao saber, acadêmico.
Você, que vai ingressar em algumas áreas do conhecimento filosófico a partir da disciplina Filosofia Geral e da Educação do Centro Universitário Leonardo da Vinci, terá no caderno de estudos alguns caminhos a serem investigados. Para acrescentar nesta formação, trazemos algumas propostas com a intenção de contribuir de maneira crítica.

Vamos lá?!

Ágora

O tópico 1 da primeira unidade relaciona a internet à ágora. O meio virtual é apresentado como a ampla praça pública onde todos podem se reunir para refletir e emitir opiniões. A antiga pólis é reinventada e a Filosofia recebe este espaço democrático para ser manifesta.

Mas fique atento: a ágora primordial não é a praça, a tribuna ou a internet.
Vamos iniciar com uma reflexão.

A Filosofia existe na Linguagem.
Nesta, mora o Ser.

Não há meio, real ou virtual que sirva ao pensamento se este não puder ser expresso. E a expressão está na linguagem que revela o mundo e seus fatos, seus fenômenos, tornando a realidade uma apropriação da consciência que assim, também se apropria de si mesma.

“Pensar sem linguagem é impossível [...]” (LUIJPEN, p. 21)


“Ainda que tivéssemos mil olhos e mil ouvidos, mil mãos e mil outros órgãos, se, porém, a nossa essencialização não consistisse no poder da linguagem, permanecer-nos-ia fechado e vendado todo ente: o ente que nós mesmos somos, não menos do que o ente que nós mesmos não somos.” (HEIDEGGER, apud BUZZI, p.109)




“A linguagem dá às sensações e intuições uma segunda existência mais alta do que a imediata, uma existência universal, que tem vigor no domínio da representação.” (HEGEL, apud BUZZI p. 234)

A ágora essencial é a Linguagem.

Nela se expressa saber ou ignorância, elevação ou baixeza. Nela o Ser passa a existir por ganhar sentido.
Isto quer dizer que mesmo que haja o espaço para o debate, o diálogo só terá qualidade se houver boas ideias e uma boa expressão delas.

Não se aprende filosofia, se aprende a filosofar.

Na página 11 do tópico 2, afirma o caderno que pensamos a partir dos conceitos. O pensamento é representação, uma duplicação do real objetivo no sujeito ou criações abstratas ideais como a matemática. O conceito, portanto, é matéria pensada. Por exemplo, ao ver uma garrafa, temos o objeto. De sensação na mente ou intuição, resulta a abstração e a imagem desta garrafa. Ela passa a ser um conteúdo da mente. Porém, torna-se conceito quando se elabora uma descrição do que seja uma garrafa. Temos assim o objeto, o signo – noção do que seja uma garrafa a partir da experiência com o objeto – e o significado de garrafa, seu conceito. O homem pode experimentar a liberdade, mas só é capaz de reconhecê-la quando consegue entendê-la, quando alcança a significação além da experiência.

O conceito não é a coisa-em-si, mas a coisa-para-si. Não é o ser concreto empírico; é o que se pode perceber dele, o que se pode descrever sobre ele, teorizar sobre ele.

Na mesma página, o texto proposto pelo caderno, de Deleuze e Guattari, diz não haver um céu para os conceitos. É uma posição contrária à platônica, onde as formas absolutas e perfeitas, portanto conceitos insofismáveis e plenos de verdade, existem inalteráveis e ao alcance da Razão. Os conceitos, segundo o texto, se originam da experiência da consciência frente ao real e da reflexão. Um perspectiva empírica e racionalista.

Consciência

Na página 21 o caderno menciona a formação da consciência crítica como uma função primordial da filosofia na sociedade atual.

Não apenas na sociedade atual, acadêmico.

Lembre que a Filosofia nasce do confronto entre a busca pela verdade e a tradição mítica. A Filosofia é crítica em essência. Ela pode ser tomada como a própria iluminação da consciência e com isso, do Ser. O Homem desperta para si mesmo e para o mundo ao seu redor ao travar o diálogo com o real para estabelecer suas causas e consequências em qualquer tempo.

Consciência religiosa

Ao citar Agostinho, na página 23, o caderno pretende fundamentar o primado da fé.

No entanto, faz uma afirmação temerária.

O compreender para crer e crer para compreender, segundo o livro, atesta que a fé não depende do intelecto em Agostinho. Esta posição é questionável tomando a própria asserção agostiniana. Ou seja, se é necessário compreender para crer, é preciso o intelecto, já que a fé de Agostinho não é fanática, nem alienada. O crer para compreender significa que sem a a Filosofia não faz sentido, pois ela se torna, segundo o Bispo de Hipona, vazia de significado prático.

Agostinho é um teólogo e filósofo profundo e trouxe para seu pensamento cristão elementos da filosofia grega, principalmente platônicos e neoplatônicos. Admite a existência de Deus a partir da realidade do eu pensante. Assim, Agostinho propõe a dialética ascendente do conhecimento, parte do sensível ao inteligível verdadeiro e absoluto, divino; parte do exterior ao interior. Chega a esta conclusão por lógica, não por admissão irracional. É o intelecto participando do esclarecimento da fé.

“A poucos homens é dado alcançar a sabedoria pura com o olhar da inteligência, e mesmo quando a alcançam, não conseguem demorar-se na sua contemplação por muito tempo, pois ela os cegaria com seu esplendor. É com a ajuda da ciência que este ato místico se torna possível. (BOEHNER, GILSON p. 171)

Na mesma página, o caderno diz que o mito é mais fantasioso do que a religião. Não é necessariamente assim. Quanto ao cristianismo, pode ser. Mas há inúmeras religiões ligadas às culturas primordiais, relacionadas pela antropologia, que estão longe de terem doutrinas racionalmente sistematizadas.

Sofistas

A nota em destaque na página 32 diz que os sofistas eram filósofos.

É preciso uma distinção.

A filosofia surgiu como reação contra o saber mítico e estanque da tradição grega que pretendia explicar a totalidade por meio da cultura ancestral apresentada principalmente pela visão cosmogônica. Os sábios, ou sophos, eram aqueles que ensinavam o útil à atividade política, central na pólis. Protágoras e Górgias, por exemplo, eram epistemologicamente céticos em relação à ontologia. Seu pensamento antropocêntrico é que foi importante, colocando a cultura no núcleo epistemológico no lugar da physis. O termo filósofo, forjado por Heráclito ou Pitágoras, distinguia o amigo do saber, aquele que não é o sábio, mas procura pela sabedoria. Pode ser tomado como uma ironia provocativa.

Sofista é o que sabe, o mestre da retórica, criticado por formar cidadãos atenienses e de outras cidades na arte do debate com finalidade política e propagar o relativismo epistemológico e moral. Desinteressado da busca pela verdade por meio do exercício crítico, o sofista é sofista. Considerá-lo filósofo é uma questão controversa, apesar deles defenderem o ceticismo filosófico. O filósofo é aquele que combate o suposto saber com a dúvida e propõe o uso da razão com o interesse único de descobrir e verdade, ou seja, um discurso consistente e com menor potencial de falseamento da realidade. No Teeteto, por exemplo, Sócrates derruba a tese de Protágoras, um sofista, sobre o conhecimento.

“[...] o sofista é alguém que busca menos a verdade do que o poder, o sucesso ou o dinheiro. Foi contra eles que Sócrates inventou, ou reinventou a filosofia.” (COMTE-SPONVILLE, p. 563)

Outro detalhe está na página 33. A citação de COLTRO diz que Sócrates rompeu com explicações mitológicas e/ou metafísicas. Somente as inconsistentes do ponto de vista platônico, pois a filosofia não abdica da metafísica. Platão e Sócrates defendiam o idealismo, uma proposta metafísica (o termo chega com Aristóteles) onde a verdade ontológica está no plano ideal e incorruptível.

Amor

Temos, na página 36, uma parte sobre o amor platônico. No Banquete, o discurso de Sócrates fala sobre a origem do Amor e cita Eros, o deus relacionado a este sentimento. A conclusão é de que o amor verdadeiro, o chamado Amor Platônico, é a contemplação do Belo, a capacidade humana de perceber a manifestação do Absoluto no relativo, de identificar a realidade da dimensão da perfeição como fonte da totalidade do ser. Ao fim do discurso diz Sócrates:

Portanto, caro Fedro, recebe este discurso como um elogio ao Eros! Ou, então, dá-lhe o nome que melhor te parecer.” (PLATÃO, p. 117)


A noite do Banquete era para elogiar Eros. Sócrates o faz. No entanto, distancia-se do deus como modelo ou representação ideal do amor. Para Platão, o amor é um esplendor da razão, não um sentimento! Sentimentos são inferiores para os gregos! O encerramento de Sócrates pode ser tomado por uma ironia: chame de Eros ou o que quiser, mas o Amor verdadeiro é a contemplação da Verdade. Desta maneira, a interpretação de que Eros é a força que impulsiona ao Bem, é andar num terreno movediço. 


O amor é, de fato em Platão, devoção à verdade e sua busca racional, não ao deus. No Fedro, o discípulo de Sócrates vai desenvolver ainda mais a questão.

Observando a página 39, o caderno cita A República e diz que a proposta platônica permite o alcance da felicidade plena na pólis idealizada. A felicidade plena parece contraditória com a essência do platonismo. O pleno é o absoluto, o perfeito, sem grau de carência. Isto não se dá no mundo do devir! A satisfação da alma está junto aos deuses por recompensa das virtudes praticadas em vida. Platão elabora a tese no Fedon, onde relata as últimas horas de Sócrates. O que a República pretende é demonstrar a constituição de um Estado com justiça e verdade e como consequência desta constituição, uma sociedade pacífica, próspera e equilibrada, modelo para outras por ser filosoficamente planejada.

Libertação

Para finalizar, sobre o processo de libertação em Paulo Freire, apontado na página 53, sugerimos assistir ao extraordinário documentário O Milagre de Mandela, produzido e exibido pelo History Channel (clique no link para ver). A condução política para o fim do Apartheid na África do Sul se encaixa na dinâmica da conscientização oprimido/opressor e resulta num dos mais importantes fatos políticos do século XX.

Utilidade

Estas são algumas questões acrescidas nesta primeira etapa dos estudos no caderno. Mas todo ele deve ser lido com atenção, pois os próprios autores o apresentam como guia, jamais como referência final dos estudos. Muito pelo contrário, as investigações filosóficas exigem ampla leitura, conhecimento aprofundado da história do pensamento e senso crítico permanente. As obras citadas são referências que merecem ser investigadas.

Esperamos que as colocações tenham sido úteis. Nos próximos dias, traremos mais sobre a sequência do caderno. Em aula, novos detalhes serão esclarecidos, ajudando na compreensão e abrindo novas interpretações.

No início da disciplina, passaremos pela turma para uma conversa.

Até lá!

Referências 

PLATÃO. Banquete. Rio de Janeiro: Ediouro, 199_
COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2011.
BOEHNER, Philotheus. GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. Petrópolis: Editora Vozes, 1991.
BUZZI, Arcângelo. Introdução ao Pensar: o Ser, o Conhecimento, a Linguagem. Petrópolis: Editora Vozes, 1989.
LUIJPEN, William. Introdução à Fenomenologia Existencial. São Paulo: Editora USP, 1973.  


link: youtube/History Channel, infoescola
imagens: filosofósforos, maimagazine.net, badische-zeitung.de, blog.cancaonova.com, reidaverdade.com

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Que bonito!

É possível arte sem beleza?

Muitas pessoas vão defender que o belo é o que agrada a cada um e, portanto, não há uma Beleza universal.

Você concorda?

Segundo Kant, não é bem assim. Para o filósofo alemão, a Beleza é aquilo que agrada de maneira universal e livre. A percepção do Belo não deve estar condicionada por desejos ou interesses. É um deslumbramento puro do espírito. Como a moral, a beleza é transcendental. Não existe em si mesma de forma objetiva ou absoluta. Não se vê a Beleza andando por aí. O que se encontra é a beleza nas coisas provocando o prazer estético. Sentir o Belo é uma experiência subjetiva frente a algo objetivo que contenha características harmônicas tais que inspirem na consciência o reconhecimento da Beleza. É como um "dever" da razão captá-la.



"O juízo estético contém um "dever": os ouros devem sentir como eu sinto e, se isso não ocorre, ou eles estão errados ou eu estou errado." (SCRUTON, p. 123)

Então?
Categórico demais?
Espere. Não rejeite já a afirmação. Em seguida vamos fazer um teste.

Falando ontem em São Paulo, o Nobel de Literatura, o peruano Mario Vargas Llosa, de 77 anos, criticou a cultura atual. Para ele o rótulo de cultural foi banalizado e, ao incluir qualquer manifestação, perdeu significado e representa nada pretendendo representar tudo.

O caldeirão de expressões contemporâneas fervilha de manifestações variadas que pretensamente são chamadas de cultura e arte. Porém, muitas não passam de experimentos esteticamente e culturalmente vazios e efêmeros, refletindo o espírito pós-moderno exagerada consumação de tudo. Para Llosa, a decadência faz o homem retroceder à barbárie, de onde saiu pelo refinamento de sua alma, pela cultura de alto nível.

O Belo existe como uma entidade ideal, sinônimo de perfeição, numa dimensão espiritual alcançada pela dialética racional como afirma Platão?
É uma qualidade das coisas e nas coisas, no sentido aristotélico?





Olhe bem essa reprodução da obra de Caravaggio.

Veja os detalhes, a profundidade, a luz, o movimento.



Agora reflita:




Há no objeto características que o fazem belo? 
São características universais capazes de sensibilizar qualquer pessoa, elementos que se impõem ao sujeito que os aceita como um dever de reconhecimento à beleza, como propõe Kant?
Ou com o perdão do paradoxo, o Belo é absolutamente relativo?  


fontes: SCRUTON, Roger. Kant. Porto Alegre: Editora LP&M, 2011. 
Folha de São Paulo
imagens: FolhaSP, ozeas.blogspot.com, patriciadedeus.com.br, caravaggio-foudation.org, luzecalor.blogspot.com




segunda-feira, 1 de abril de 2013

Filosofia no ônibus

O aumento na passagem de ônibus em Porto Alegre vem gerando protestos e discussões há dias.

No dia 25 de março a tarifa, que era de R$ 2,85, subiu para R$ 3,05. O governo e as empresas apresentam seus cálculos e com eles as razões para a elevação, mas parte da população usuária discorda e acha a passagem cara demais.




Um novo protesto ocorreu hoje, 5 dias depois de uma manifestação onde houve depredação de patrimônio público e agressão ao secretário municipal de Coordenação Política e Governança Local, Cézar Busatto.





Hoje também começou a circular pelo Facebook, onde há muita manifestação contra o aumento e inclusive vem servindo para coordenar os protestos, um documento que seria do Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul orientando que a tarifa dos ônibus de Porto Alegre deveria ser R$ 2,60.


A revolta está na rua.


Mas o que isso tem a ver com Filosofia?


Tudo!




Poderíamos estender a análise do fato político tenso entre população e governo segundo a visão de diferentes filósofos em distintas épocas. Porém, vamos levantar a questão, inicialmente, sob o olhar de Jean-Jacques Rousseau.

No capítulo I do Livro I do Contrato Social, o filósofo afirma:

"O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros." 

Rousseau se refere às amarras, para ele, artificiais e prejudiciais criadas pelo próprio homem. São os grilhões que mantém as desigualdades sociais e as pessoas cativas em condições afastadas do bem-estar. Entre as instituições degradantes estão os governos que não agem em favor daquilo que é classificado como o interesse do povo ou a vontade geral.

Os protestos em Porto Alegre nascem da percepção da injustiça do ato do governo para com a população, que o faz amparado na burocracia e na lei.

Mas é correto, apesar de impopular?
Tudo o que é impopular é necessariamente errado?  

E do lado da população, justificam-se ações violentas como agredir e quebrar? 

Em todo o mundo, a revolta e o confronto se avolumam quando as pessoas se sentem traídas pelas instituições, por elas abandonadas e sem instrumentos institucionais contra a opressão. Evidente que nas convulsões, mesmo as menores, misturam-se interesses que contaminam causas mais nobres.

No capítulo XV do Livro III do Contrato, Rousseau diz:



"De qualquer modo, no momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre, não existe mais."  


Rousseau é contra os vícios humanos presentes também nos governos. Ele não é contra a existência de um governo, mas este precisa ser legítimo.



Qual a proposta política de Rousseau apresentada no Contrato Social e que tanta influência teve na História? 

fonte: Terra
fotos: ZH, Facebook, Filosofósforos