Em breve, um passo a
mais em direção ao saber, acadêmico.
Você, que vai
ingressar em algumas áreas do conhecimento filosófico a
partir da disciplina Filosofia Geral e da Educação do Centro Universitário Leonardo da Vinci,
terá no caderno de estudos alguns caminhos a serem
investigados. Para acrescentar nesta formação, trazemos
algumas propostas com a intenção de contribuir de
maneira crítica.
Vamos lá?!
Ágora
O tópico 1 da
primeira unidade relaciona a internet à ágora. O meio
virtual é apresentado como a ampla praça pública
onde todos podem se reunir para refletir e emitir opiniões. A
antiga pólis é reinventada e a Filosofia recebe este
espaço democrático para ser manifesta.
Mas fique atento: a
ágora primordial não é a praça, a tribuna
ou a internet.
Vamos iniciar com uma
reflexão.
A Filosofia existe na
Linguagem.
Nesta, mora o Ser.
Não há
meio, real ou virtual que sirva ao pensamento se este não
puder ser expresso. E a expressão está na linguagem que
revela o mundo e seus fatos, seus fenômenos, tornando a
realidade uma apropriação da consciência que
assim, também se apropria de si mesma.
“Pensar sem linguagem
é impossível [...]” (LUIJPEN, p. 21)
“A linguagem dá
às sensações e intuições uma
segunda existência mais alta do que a imediata, uma existência
universal, que tem vigor no domínio da representação.”
(HEGEL, apud BUZZI p. 234)
A ágora
essencial é a Linguagem.
Nela se expressa saber
ou ignorância, elevação ou baixeza. Nela o Ser
passa a existir por ganhar sentido.
Isto quer dizer que mesmo que haja o espaço para o debate, o diálogo só terá qualidade se houver boas ideias e uma boa expressão delas.
Não se aprende filosofia, se aprende a filosofar.
Isto quer dizer que mesmo que haja o espaço para o debate, o diálogo só terá qualidade se houver boas ideias e uma boa expressão delas.
Não se aprende filosofia, se aprende a filosofar.
Na página 11 do
tópico 2, afirma o caderno que pensamos a partir dos
conceitos. O pensamento é representação, uma
duplicação do real objetivo no sujeito ou criações
abstratas ideais como a matemática. O conceito, portanto, é
matéria pensada. Por exemplo, ao ver uma garrafa, temos o
objeto. De sensação na mente ou intuição,
resulta a abstração e a imagem desta garrafa. Ela passa
a ser um conteúdo da mente. Porém, torna-se conceito
quando se elabora uma descrição do que seja uma
garrafa. Temos assim o objeto, o signo – noção do que
seja uma garrafa a partir da experiência com o objeto – e o
significado de garrafa, seu conceito. O homem pode experimentar a
liberdade, mas só é capaz de reconhecê-la quando
consegue entendê-la, quando alcança a significação
além da experiência.
O conceito não é
a coisa-em-si, mas a coisa-para-si. Não é o ser
concreto empírico; é o que se pode perceber dele, o que
se pode descrever sobre ele, teorizar sobre ele.
Na mesma página,
o texto proposto pelo caderno, de Deleuze e Guattari, diz não
haver um céu para os conceitos. É uma posição
contrária à platônica, onde as formas absolutas e
perfeitas, portanto conceitos insofismáveis e plenos de
verdade, existem inalteráveis e ao alcance da Razão. Os
conceitos, segundo o texto, se originam da experiência da
consciência frente ao real e da reflexão. Um perspectiva
empírica e racionalista.
Consciência
Na página 21 o
caderno menciona a formação da consciência
crítica como uma função primordial da filosofia
na sociedade atual.
Não apenas na
sociedade atual, acadêmico.
Lembre que a Filosofia
nasce do confronto entre a busca pela verdade e a tradição
mítica. A Filosofia é crítica em essência.
Ela pode ser tomada como a própria iluminação da
consciência e com isso, do Ser. O Homem desperta para si mesmo
e para o mundo ao seu redor ao travar o diálogo com o real
para estabelecer suas causas e consequências em qualquer tempo.
Consciência
religiosa
Ao citar Agostinho, na
página 23, o caderno pretende fundamentar o primado da fé.
No entanto, faz uma
afirmação temerária.
O compreender para crer
e crer para compreender, segundo o livro, atesta que a fé não
depende do intelecto em Agostinho. Esta posição é
questionável tomando a própria asserção
agostiniana. Ou seja, se é necessário compreender para
crer, é preciso o intelecto, já que a fé de
Agostinho não é fanática, nem alienada. O crer
para compreender significa que sem a fé a Filosofia não
faz sentido, pois ela se torna, segundo o Bispo de Hipona, vazia de
significado prático.
Agostinho é um
teólogo e filósofo profundo e trouxe para seu
pensamento cristão elementos da filosofia grega,
principalmente platônicos e neoplatônicos. Admite a
existência de Deus a partir da realidade do eu pensante. Assim,
Agostinho propõe a dialética ascendente do
conhecimento, parte do sensível ao inteligível
verdadeiro e absoluto, divino; parte do exterior ao interior. Chega a
esta conclusão por lógica, não por admissão
irracional. É o intelecto participando do esclarecimento da
fé.
“A poucos homens é
dado alcançar a sabedoria pura com o olhar da inteligência,
e mesmo quando a alcançam, não conseguem demorar-se na
sua contemplação por muito tempo, pois ela os cegaria
com seu esplendor. É com a ajuda da ciência que este ato
místico se torna possível. (BOEHNER, GILSON p. 171)
Na mesma página,
o caderno diz que o mito é mais fantasioso do que a religião.
Não é necessariamente assim. Quanto ao cristianismo,
pode ser. Mas há inúmeras religiões ligadas às
culturas primordiais, relacionadas pela antropologia, que estão
longe de terem doutrinas racionalmente sistematizadas.
Sofistas
A nota em destaque na
página 32 diz que os sofistas eram filósofos.
É preciso uma
distinção.
A filosofia surgiu como
reação contra o saber mítico e estanque da
tradição grega que pretendia explicar a totalidade por
meio da cultura ancestral apresentada principalmente pela visão
cosmogônica. Os sábios, ou sophos, eram aqueles que ensinavam o útil à atividade política, central na pólis. Protágoras e Górgias, por exemplo, eram epistemologicamente céticos em relação à ontologia. Seu pensamento antropocêntrico é que foi importante, colocando a cultura no núcleo epistemológico no lugar da physis. O termo filósofo,
forjado por Heráclito ou Pitágoras, distinguia o amigo
do saber, aquele que não é o sábio, mas procura
pela sabedoria. Pode ser tomado como uma ironia provocativa.
Sofista é o que
sabe, o mestre da retórica, criticado por formar cidadãos atenienses e de outras cidades na arte do
debate com finalidade política e propagar o relativismo epistemológico e moral.
Desinteressado da busca pela verdade por meio do exercício
crítico, o sofista é sofista. Considerá-lo filósofo é uma questão controversa, apesar deles defenderem o ceticismo filosófico.
O filósofo é aquele que combate o suposto saber com a
dúvida e propõe o uso da razão com o interesse
único de descobrir e verdade, ou seja, um discurso consistente
e com menor potencial de falseamento da realidade. No Teeteto, por
exemplo, Sócrates derruba a tese de Protágoras, um
sofista, sobre o conhecimento.
“[...] o sofista é
alguém que busca menos a verdade do que o poder, o sucesso ou
o dinheiro. Foi contra eles que Sócrates inventou, ou
reinventou a filosofia.” (COMTE-SPONVILLE, p. 563)
Outro detalhe está
na página 33. A citação de COLTRO diz que
Sócrates rompeu com explicações mitológicas
e/ou metafísicas. Somente as inconsistentes do ponto de vista
platônico, pois a filosofia não abdica da metafísica.
Platão e Sócrates defendiam o idealismo, uma proposta
metafísica (o termo chega com Aristóteles) onde a
verdade ontológica está no plano ideal e incorruptível.
Amor
Temos, na página
36, uma parte sobre o amor platônico. No Banquete, o discurso
de Sócrates fala sobre a origem do Amor e cita Eros, o deus
relacionado a este sentimento. A conclusão é de que o
amor verdadeiro, o chamado Amor Platônico, é a
contemplação do Belo, a capacidade humana de perceber a
manifestação do Absoluto no relativo, de identificar a
realidade da dimensão da perfeição como fonte da
totalidade do ser. Ao fim do discurso diz Sócrates: “
Portanto,
caro Fedro, recebe este discurso como um elogio ao Eros! Ou, então,
dá-lhe o nome que melhor te parecer.” (PLATÃO, p.
117)
A noite do Banquete era
para elogiar Eros. Sócrates o faz. No entanto, distancia-se do
deus como modelo ou representação ideal do amor. Para
Platão, o amor é um esplendor da razão, não
um sentimento! Sentimentos são inferiores para os gregos! O
encerramento de Sócrates pode ser tomado por uma ironia: chame
de Eros ou o que quiser, mas o Amor verdadeiro é a
contemplação da Verdade. Desta maneira, a interpretação
de que Eros é a força que impulsiona ao Bem, é
andar num terreno movediço.
O amor é, de fato em
Platão, devoção à verdade e sua busca
racional, não ao deus. No Fedro, o discípulo de Sócrates
vai desenvolver ainda mais a questão.
Observando a página
39, o caderno cita A República e diz que a proposta platônica
permite o alcance da felicidade plena na pólis idealizada. A
felicidade plena parece contraditória com a essência do
platonismo. O pleno é o absoluto, o perfeito, sem grau de
carência. Isto não se dá no mundo do devir! A
satisfação da alma está junto aos deuses por
recompensa das virtudes praticadas em vida. Platão elabora a
tese no Fedon, onde relata as últimas horas de Sócrates.
O que a República pretende é demonstrar a constituição
de um Estado com justiça e verdade e como consequência
desta constituição, uma sociedade pacífica,
próspera e equilibrada, modelo para outras por ser
filosoficamente planejada.
Libertação
Para finalizar, sobre o
processo de libertação em Paulo Freire, apontado na
página 53, sugerimos assistir ao extraordinário documentário O Milagre de Mandela, produzido e exibido pelo History Channel (clique no link para ver). A condução política
para o fim do Apartheid na África do Sul se encaixa na
dinâmica da conscientização oprimido/opressor e
resulta num dos mais importantes fatos políticos do século
XX.
Utilidade
Estas são
algumas questões acrescidas nesta primeira etapa dos estudos
no caderno. Mas todo ele deve ser lido com atenção,
pois os próprios autores o apresentam como guia, jamais como
referência final dos estudos. Muito pelo contrário, as
investigações filosóficas exigem ampla leitura,
conhecimento aprofundado da história do pensamento e senso
crítico permanente. As obras citadas são referências
que merecem ser investigadas.
Esperamos que as
colocações tenham sido úteis. Nos próximos
dias, traremos mais sobre a sequência do caderno. Em aula,
novos detalhes serão esclarecidos, ajudando na compreensão
e abrindo novas interpretações.
No início da
disciplina, passaremos pela turma para uma conversa.
Até lá!
Referências
PLATÃO.
Banquete. Rio de Janeiro: Ediouro, 199_
COMTE-SPONVILLE, André.
Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora
Martins Fontes, 2011.
BOEHNER, Philotheus.
GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã.
Petrópolis: Editora Vozes, 1991.
BUZZI, Arcângelo.
Introdução ao Pensar: o Ser, o Conhecimento, a
Linguagem. Petrópolis: Editora Vozes, 1989.
LUIJPEN, William.
Introdução à Fenomenologia Existencial. São
Paulo: Editora USP, 1973.
link: youtube/History Channel, infoescola
imagens: filosofósforos, maimagazine.net, badische-zeitung.de, blog.cancaonova.com, reidaverdade.com