Sua revista escolar de filosofia.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Tenham cuidado, mulheres

Mulheres, cuidado.

Aquilo que se faz, se pensa antes. Mas, nem sempre este pensar é sinal de uma boa razão.

Tenham cuidado, mulheres com aquilo que há por aí e não tem freio. Como um caminhão desgovernado, atropela insensível, mecânico.

Uma pesquisa realizada com a participação do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Brasília aponta que 4 em cada 10 entrevistados consideram justificável o sexo sem consentimento com mulheres quando elas provocam a libido masculina vestindo-se de modo supostamente insinuante, com a presumida intenção sedutora.

Pode-se entender que estes 40% acreditam que o sexo forçado estaria 'inocentado" pelo fato da mulher parecer disponível. Em outras palavras, eles defendem a ideia de que os atos instintivos possuem alguma soberania sobre a boa vontade e a moral. 

Significa atender aos impulsos e pulsões de natureza irracional que estão sob uma espécie de indulto prévio da consciência por serem imanentes ao ser humano. 

Resultado de um relaxamento da moral?

Um dos problemas relacionados à crise de valores contemporâneos é o progressivo distanciamento entre moral e ética. A moral é circunstancial, contingente. É uma construção social no tempo e pode mudar, moldando outros costumes. Aquilo que se considera errado aqui e agora não possui valor absoluto. São ideias que, se forem modelando o pensamento comum, alteram hábitos. Nesta tensão entre visões é estabelecido o correto e o incorreto. 


A ética se propõe a resguardar valores que sejam universais para o bem coletivo, enquanto a lei impõe regra ao comportamento. 

Descompassos nestes campos geram conflitos de valores. Quanto mais a moral se afasta daquilo que é considerado bom, consagrado pela ética e expresso pela lei, mais há necessidade de intervenção pelo aparato de segurança e justiça e pelos instrumentos totais de educação

A sociedade falha ao permitir que ocorra o que já se concorda ser uma degradação do espírito.  

Mas, como está nossa sociedade em relação a isto? 

A liberação do sujeito não está sendo acompanhada da responsabilização. A mensagem da narcisação e do egoísmo é insistente e cria a falsa ideia de um poder individual ilimitado que desafia a estrutura.

Alemães em cena

Neste caso da opinião que não condena o estupro quando supostamente estimulado, lembramos dois filósofos da modernidade.  

De um lado, Nietzsche. 

Segundo ele, os valores morais até seu tempo foram gerados na intenção de afastar o homem de sua essência natural. Nesta genealogia moral, venceram os fracos que, não podendo exercer sua potência, criaram regras que impedem os mais fortes da fruição. São os niilistas que defendem virtudes imaginárias e negam a natureza do homem com seus instintos, impulsos, inclinações presentes na alma e prontas para serem realizadas. Uma ideia que vai aparecer na psicanálise. 




Esse homem do futuro, que nos redimirá, tanto do ideal até agora, quanto daquilo que teve que crescer dele, do grande nojo, da vontade do nada, do niilismo, esse bater de sino ao meio-dia e da grande decisão, que torna a vontade outra vez livre, que devolve à terra seu alvo e ao homem sua esperança, esse anticristo e antiniilista, esse vencedor de Deus e do nada - ele tem de vir um dia... (NIETZSCHE, 1983, p.312)







Se Nietzsche está certo, então por que racionalizar tanto o impulso sexual até colocá-lo sob ideais

O sexo sem consentimento, neste caso, poderia ser justificado?

Este pensamento pode servir de fundamento moral? 

Tem valor ético? 
É útil ao Direito? 

É preciso considerar que as marteladas rebeldes de Nietzsche ajudaram e destruir dogmatismos que restringiam a criatividade e expressividade do homem.

Do outro lado, Kant. 

Idealista e cristão, na moral, Kant afirma a vitória da razão livre sobre a natureza. Esta capacidade de decidir o que fazer é essencialmente humana. O homem não é determinado por forças irracionais, pode e tem o dever de escolher o correto a agir pelo bem. Sua boa vontade o conduz a evitar erros e realizar acertos. Agindo sem interesses privados - imperativos hipotéticos - e por apreço ao bem, para o bem de modo que sua ação possa ser universalizada - imperativo categórico

Se Kant está certo, e nossa cultura está baseada nestes princípios, nada justifica o cometimento do abuso. 

O erro deve ser evitado na origem, refreando a realização de atos governados por instintos. Pode-se imaginar, desejar, mas não fazer.  

Nossa sociedade está ensinando a refrear a satisfação inconsequente de sensações instintivas ou está pregando o contrário? 


REFERÊNCIAS

NIETZSCHE, Friedrich. Para a genealogia da moral. Os pensadores. 3. ed. São Paulo: Abril, 1983. 

imagens: youjivinmeturkey, chocolataveccafe, etologianodiaadia, celprado

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O total e o fragmentado como globalização

Bombas explodem em frente à embaixada do Irã, em Beirute, no Líbano.


O atentado deixa 23 pessoas mortas.

A ação, realizada no último dia 19, é um instrumento terrorista com finalidade política. A Al Qaeda assumiu o atentado e prometeu novos caso os xiitas do Hezbollah, ligado ao Irã, continuem ao lado do governo Sírio, contra a revolução na guerra que há dois anos pretende derrubar o presidente Bashar Al-Assad.

Diante do mundo, pelas redes de comunicação, o fato se estampa.

Este fenômeno da informação rápida e global, com o qual estamos habituados, permite uma reflexão sobre a o que Adriano Duarte Rodrigues, doutor em Linguística em Portugal, chama de antinomias da globalização.

A questão se apresenta por estar relacionada aos estudos recentes da turma SOC 0022 sobre Sociedade da Informação e do Conhecimento.

Retomando, o professor Rodrigues divide o conceito de globalização em dois.

O primeiro se refere às experiências que ele considera como comuns a todos, uma totalização das formas de relacionamento com a realidade da qual não é possível escapar, uma vez que o sujeito está imerso no universo do fato e o vive de modo paradoxal, pois o aceita livremente ao mesmo tempo em que esta vivência é imposta. Afastar-se destas experiências comuns é negar a sociabilidade.

O que há de comum a todos no atentado de Beirute?

O drama, a morte, a dor, a tensão social, a discórdia política entre outros pontos universais. Estas são experiências tradicionais da realidade percebidas em menor ou maior grau em locais diferentes e que se fundem na totalidade ao serem trocadas como informação, globalizando o sentido de experiências que sempre ocorreram e são independentes dos instrumentos tecnológicos.

As formas de sociabilidade totais, que subsistem no quadro da experiência
tradicional, têm a sua expressão no mundo da experiência vivida e a sua validade está
confinada pelas fronteiras do território comum, dentro das quais podem ser
identificadas por todos as marcas de uma mesma história comum. A sua característica
fundamental reside no facto de serem reguladas por um tipo tradicional de
racionalidade. Trata-se de uma racionalidade de natureza paradoxal, uma vez que,
apesar de ser obrigatória, impondo-se a todos de maneira incontestável, é, no entanto,
aceite por todos livremente. Pelo facto de o seu fundamento e a sua legitimidade não
dependerem das escolhas individuais, de serem implícitos, não pode ser posta em
causa por ninguém. Apesar de ser convencional, é considerada por todos como natural
e indiscutível. (RODRIGUES, 2006, p. 2)

Quanto mais universal a natureza da experiência tradicional, mais global ela é. Este modo homogêneo de experiência contrasta com a racionalidade moderna de construção da autonomia do sujeito e com ela a particularização do sentido da experiência. Segundo Rodrigues, estas duas vertentes coexistem na contemporaneidade. Por uma lado, temos a experiência tradicional comunicada e por outro, o volume informacional fragmentado em fluxo permite leituras autônomas dos fenômenos. Isto ocorre dentro da estrutura de sistema, o paradigma que molda a mentalidade comum das sociedades, da rede como suporte tecnológico que realiza a operação do fluxo e da informação como elemento indispensável do processo.

Aqui Rodrigues apresenta o segundo sentido de globalização: um processo técnico proporcionado da mediatização tecnológica da informação. Ela não anula a experiência tradicional e soma-se a ela. É o que é codificado e posto em circulação, nem sempre representando experiências totais tradicionais.

Crítica

Estaríamos globalizando o que não solucionamos?

Rodrigues sugere que compartilhamos por diversão ou camuflagem aquilo que não podemos ou não queremos solucionar.

Nossa violência? Nosso narcisismo? Nossa vaidade?

Nosso egoísmo? Nossa impaciência? Nosso hedonismo?

Nosso escárnio? Nossa sexualidade? Nossa preguiça?

Foge-se para o virtual e o abstrato quando algum obstáculo barra o êxito no real concreto?

A globalização pode favorecer, não o confronto e a procura de soluções
colectivamente debatidas, mas o individualismo irresponsável e o ensimesmamento
narcísico, de que a despolitização, o abstencionismo e a indiferença generalizada são a
face mais visível. (RODRIGUES, 2006, p. 6)

Como contraponto, pode-se argumentar que as organizações em rede permitem visualizar uma telecidadania que transborda o espaço virtual e ganha potência política real. O Occupy Wall Street, a Primavera Árabe e o Levante Brasileiro são exemplos recentes. Seria o resultado de anseios da experiência tradicional que se organizam na rede e vão às ruas buscar respostas? Entretanto, eles não anulam este efeito de afastamento e insulamento do indivíduo percebidos na atualidade.

Para vencer o caos fragmentário da informação em fluxo, segundo sentido da globalização, Rodrigues defende a necessidade de interlocutores que saibam nortear o sujeito em sua relação com a rede, exigência que "decorre do facto de a experiência globalizada ser constituída por ofertas que precedem a procura e por respostas que precedem as perguntas." (RODRIGUES, 2006, p. 7).

E neste processo, qual o papel da Filosofia?

De acordo com Rodrigues, a Filosofia tem função central e com ela, os seus professores. Eles possuem a responsabilidade de traduzir o fenômeno, interpretar sua linguagem o construir um espaço seguro de entendimento e relacionamento que permita o uso positivo da informação para a construção de conhecimento autêntico.


Mas a formação filosófica continua a ser indispensável para pensar a própria
tecnicidade que se realiza nestes dispositivos e que interfere na própria experiência,
contribuindo para a desconstrução das visões ingénuas alimentadas pelos interesses
particulares que se escondem por de trás tanto das atitudes eufóricas e tecnolatras
como das visões catastrofistas e tecnoclastas que vigoram nos actuais discursos
maniqueistas sobre a técnica. [...] Sem a mediação
de formadores e sem o enquadramento a filosofia, a informação disponível é
completamente inútil e, em vez de contribuir para a maturidade e a autonomia, corre o
risco de alimentar a alienação e a dependência. (RODRIGUES, 2006, p. 8,9)

Voltemos ao atentado de Beirute.

Podemos vê-lo com indiferença e argumentar que se trata de um fato distante, local, restrito às questões do Oriente Médio e, por mais que seja violento e dramático, pouco sensibiliza. É informação fragmentada que cumpre seu trânsito normal na mídia atual e por isto chega a nós, sem maior repercussão.




Podemos vê-lo de outro modo.

Por trás da fúria explosiva, está a intolerância política mesclada à religiosa. Há conflitos culturais e étnicos. Há extremismo espetacularizado, característico do terror.



Aqui na sociedade brasileira, quanto há de preconceito, de intolerância, de violência? 
Quais as razões de nossas incivilidades? 
As agitações sociais dos últimos meses possuem alguma característica semelhante ao terrorismo? 
Quais as soluções para certos problemas brasileiros? 

imagens: Deutch Welle, EFE, uol
RODRIGUES, Adriano Duarte. As antinomias da globalização. Coimbra. 2006. Disponível em: <http://www.apfilosofia.org/documentos/pdf/AdrianoDuarteRodrigues_Antinomias.pdf>

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A motivação moral em Kant

Quais são nossas motivações morais?

Sobre esta questão, o professor Clóvis de Barros Filho, aquele que fez sucesso nacional após ser entrevistado por Jô Soares, dá uma aula sobre as motivações morais em Kant. (Clique aqui para ver a aula complementar)

Um bela aula sobre ética!

O professor Clóvis fala sobre os desejos particulares que levam à ação e que, segundo o filósofo alemão, não podem ser considerados motores da moralidade.

Também explica como o motivo moral legítimo é impulso para o cumprimento do dever. Nunca por interesses privados.

E o que isto quer dizer?

Que a ação moral kantiana é incondicionada e livre. Sua motivação é essencialmente racional como admissão da vontade transcendental, ou seja, fora do alcance das causas do mundo do fenômeno. A moral destaca o homem dos instintos e desejos para dizer a ele o que é correto.

Por que agimos como agimos?

A motivação moral deve ser racional e universal, servindo de regra para todos, o que se chama o imperativo categórico.

O centro motivador moral é a boa vontade.


Vale ler

Se você quiser ler um livro bem claro sobre o assunto, procure a obra O problema da motivação moral em Kant, de Hélio José dos Santos Souza.


Vale a pena.


imagens: cultura acadêmica, vimeo





segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Faço o que quero

O colega e amigo Adriano Freire, postou no Facebook uma observação sobre o comportamento de algumas pessoas no espaço público e como este comportamento agride outras que convivem nestes mesmos espaços.

A referência vai ao encontro da ideia de subjetividade contemporânea e como ela domina a percepção de nós mesmos e controla nossa colocação no universo social.

Ontem, o historiador e professor Leandro Karnal falava no Café Filosófico a respeito da pós-modernidade e de como se alterou a noção do pecado como uma ofensa a uma regra moral objetiva, válida para todos para que fosse incorporada a percepção particular de nós mesmos como capazes de julgar nossos atos morais fazendo do pecado uma noção subjetiva.

É característica da pós-modernidade essa dissolução e fragmentação de valores que até a modernidade eram referenciais paradigmáticos norteadores da ação humana. A racionalidade moderna defendia uma lógica objetiva e executável no mundo prático e capaz de proporcionar progresso, desenvolvimento, evolução, bem-estar, felicidade. O contrário significava erro. Tinha, ainda, a modernidade, resquícios dos parâmetros medievais de um mundo governado por Deus e com sua História traçada.

Basta recordar que um dos mais influentes pensadores cristãos, Agostinho de Hipona, defende a ideia de um governo de Deus sobre a criatura e os destinos coletivos.


Na modernidade o pensamento se torna científico como antes não fora e enquadra o homem num sistema total de racionalidade substituta da divindade com a finalidade de conquista de uma vida melhor e, portanto, superiora. É neste frenesi moderno que a ciência e a tecnologia vão abrir caminho para a explosão das comunicações globais que vão moldar a pós-modernidade.

Hoje, a sociedade global se assenta em bases tecnológicas informativas. As conexões em rede proporcionam a transmissão de dados que facultam ações em tempo real determinantes para a política, a economia, a sociedade em geral.

O que antes era sólido, concreto, objetivo, hoje é virtual, é digital. São dados que, interpretados, alteram com velocidade a percepção da realidade. Disponível e globalizado, o acesso permite o consumo em massa da informação. A aceleração vertiginosa do processo mal permite a assimilação do novo e este já se torna velho e substituído por algo ainda mais recente.


A sensação é de impermanência.
E onde há impermanência, não se pode afirmar que haja verdade.


Não havendo verdade, resta a crença e esta é subjetiva.

É nesta nuvem de subjetividades que se vive o agora.
Cada pessoa recebe a carga das informações ao seu redor e configura sua visão sobre o real. Sem o referencial objetivo - o que é o pecado? o que é o certo? o que é  moral, imoral? - o indivíduo cria seu julgamento que nem sempre é útil a ele mesmo ou positivo para a coletividade.



Mas, é o processo da construção da identidade ou das identidades (HALL, 2005).



Desta maneira, o que se vê é um ambiente de tolerância soberba sendo exigida de todos para evitar os atritos nascidos das diferenças de opinião e de comportamento. Quem agride os outros com seu jeito de ser, nem sempre se importa com as consequências e em comum pensa "sou livre e faço o que quero", o que afirma um egoísmo narcisista e prejudicial ao convívio. Por exemplo, quem ouve música alta no ônibus ou solta seu cão no parque. Se eles acham que está tudo bem, os outros que suportem. Então, é preciso criar uma nova lei para regular os excessos desta liberdade democrática mal compreendida.

Este pequeno panorama contemporâneo faz recordar do Teeteto, de Platão.
Lá está o desmonte da tese de Protágoras de que o homem é a medida de todas as coisas, sugerindo o relativismo.

Se não há verdades que sejam objetivas, nos insulamos na subjetividade a ponto de anularmos o próprio juízo ao ferir o princípio lógico da não contradição - admitir que se está certo e errado ao mesmo tempo e sobre o mesmo juízo - e isto contraria a história humana. Teremos que nos reconstruir.

Ou Protágoras está correto e nos restam certezas cada vez mais provisórias, especialmente na instância moral, como deixou também em aberto a questão, Descartes?

REFERÊNCIAS

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

imagens: aloartista, leandrodomingues, fernandonogeuriacosta