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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Faço o que quero

O colega e amigo Adriano Freire, postou no Facebook uma observação sobre o comportamento de algumas pessoas no espaço público e como este comportamento agride outras que convivem nestes mesmos espaços.

A referência vai ao encontro da ideia de subjetividade contemporânea e como ela domina a percepção de nós mesmos e controla nossa colocação no universo social.

Ontem, o historiador e professor Leandro Karnal falava no Café Filosófico a respeito da pós-modernidade e de como se alterou a noção do pecado como uma ofensa a uma regra moral objetiva, válida para todos para que fosse incorporada a percepção particular de nós mesmos como capazes de julgar nossos atos morais fazendo do pecado uma noção subjetiva.

É característica da pós-modernidade essa dissolução e fragmentação de valores que até a modernidade eram referenciais paradigmáticos norteadores da ação humana. A racionalidade moderna defendia uma lógica objetiva e executável no mundo prático e capaz de proporcionar progresso, desenvolvimento, evolução, bem-estar, felicidade. O contrário significava erro. Tinha, ainda, a modernidade, resquícios dos parâmetros medievais de um mundo governado por Deus e com sua História traçada.

Basta recordar que um dos mais influentes pensadores cristãos, Agostinho de Hipona, defende a ideia de um governo de Deus sobre a criatura e os destinos coletivos.


Na modernidade o pensamento se torna científico como antes não fora e enquadra o homem num sistema total de racionalidade substituta da divindade com a finalidade de conquista de uma vida melhor e, portanto, superiora. É neste frenesi moderno que a ciência e a tecnologia vão abrir caminho para a explosão das comunicações globais que vão moldar a pós-modernidade.

Hoje, a sociedade global se assenta em bases tecnológicas informativas. As conexões em rede proporcionam a transmissão de dados que facultam ações em tempo real determinantes para a política, a economia, a sociedade em geral.

O que antes era sólido, concreto, objetivo, hoje é virtual, é digital. São dados que, interpretados, alteram com velocidade a percepção da realidade. Disponível e globalizado, o acesso permite o consumo em massa da informação. A aceleração vertiginosa do processo mal permite a assimilação do novo e este já se torna velho e substituído por algo ainda mais recente.


A sensação é de impermanência.
E onde há impermanência, não se pode afirmar que haja verdade.


Não havendo verdade, resta a crença e esta é subjetiva.

É nesta nuvem de subjetividades que se vive o agora.
Cada pessoa recebe a carga das informações ao seu redor e configura sua visão sobre o real. Sem o referencial objetivo - o que é o pecado? o que é o certo? o que é  moral, imoral? - o indivíduo cria seu julgamento que nem sempre é útil a ele mesmo ou positivo para a coletividade.



Mas, é o processo da construção da identidade ou das identidades (HALL, 2005).



Desta maneira, o que se vê é um ambiente de tolerância soberba sendo exigida de todos para evitar os atritos nascidos das diferenças de opinião e de comportamento. Quem agride os outros com seu jeito de ser, nem sempre se importa com as consequências e em comum pensa "sou livre e faço o que quero", o que afirma um egoísmo narcisista e prejudicial ao convívio. Por exemplo, quem ouve música alta no ônibus ou solta seu cão no parque. Se eles acham que está tudo bem, os outros que suportem. Então, é preciso criar uma nova lei para regular os excessos desta liberdade democrática mal compreendida.

Este pequeno panorama contemporâneo faz recordar do Teeteto, de Platão.
Lá está o desmonte da tese de Protágoras de que o homem é a medida de todas as coisas, sugerindo o relativismo.

Se não há verdades que sejam objetivas, nos insulamos na subjetividade a ponto de anularmos o próprio juízo ao ferir o princípio lógico da não contradição - admitir que se está certo e errado ao mesmo tempo e sobre o mesmo juízo - e isto contraria a história humana. Teremos que nos reconstruir.

Ou Protágoras está correto e nos restam certezas cada vez mais provisórias, especialmente na instância moral, como deixou também em aberto a questão, Descartes?

REFERÊNCIAS

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

imagens: aloartista, leandrodomingues, fernandonogeuriacosta

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