Sua revista escolar de filosofia.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Sociedade do excesso

O eu teria vencido o nós?

O fim do Comunismo como bloco político em oposição ao Capitalismo dissolveu com a ruptura que havia entre dois mundos dividos por oposição de doutrina política e sistema econômico. O princípio comunista é o bem da coletividade, enquanto que o capitalista é o do indivíduo.

Desde o final dos anos 80 o que se percebeu foi a progressiva difusão do liberalismo de mercado onde antes havia estados comunistas, da expansão reforçada do capitalismo e com ela padronizações culturais em volta do consumo como atividade fundamental da sociedade. Junto houve o crescimento do hedonismo, do imediatismo, do individualismo, do egoísmo, das relações superficiais e da sensação de solidão.

Vivemos para produzir e consumir.
Sem saciedade.

A ideologia por trás afirma que só assim se está inserido e se pode ser feliz. Fora deste ciclo, é impensável existir e a angústia surge como sinal do medo desta morte social.

Gilles Lipovetsky, filósofo e sociólogo francês, tem como conceito chave de seu pensamento o que chama de cultura-mundo. Construída sob 5 eixos básicos, o mercado, a ciência, a informação, a indústria cultural e as tecnologias de comunicação/individualização, a cultura-mundo é um paradigma de valor atribuído pela sociedade planetária ao bens consumíveis, sejam eles produtos ou marcas, objetos ou signos. Segundo Lipovetsky, as sociedades globais repetem este comportamento chamado de cultura-mundo que, se por um lado trouxe maior liberdade aos indivíduos, provocou a desorientação. Isto ocorreu devido ao excesso de oferta de todo o tipo de coisa: objetos, serviços, ideias. Cada um pode hoje falar o que quer e criticar o que pretende. As instituições que antes orientavam dando noções de certeza e erro, hoje se perdem no balcão comum e disputam a atenção do homem-consumidor que tem o poder de escolher, porém não sabe muito bem o que escolher.

Em uma reportagem de 2010 publicada pelo Jornal de Notícias, de Portugal, Gilles Lipovetsky expõe seu pensamento e faz um diagnóstico do presente e um prognóstico do futuro da sociedade destas primeiras décadas do século XXI. Nela, o filósofo afirma que a democracia é o sistema político inevitável para o globo, pois ela significa liberdade de escolha e de expressão. Como no caso dos países árabes que nos últimos anos vê crescer a influência ocidental e reage com violência, o que seria reflexo do medo da perda da identidade islâmica.

A desorientação da qual fala Lipovetsky é parte do perfil da sociedade pós-moderna?
Como não se deixar desorientar? 
A democracia deve ter valor positivo reconhecido em si mesma e ela deve ser preferida e até imposta a outros países com diferentes sistemas políticos e de mercado?
Quais os sinais da cultura-mundo na sociedade brasileira?


fonte: Jornal de Notícias
fotos:  devoir-de-philosophie.com, ig

4 comentários:

  1. Para Lipovetsky a sociedade vive a Hipermodernidade. Um estado acelerado onde tanto a modernidade quanto a pós-modernidade foram ultrapassadas e seus efeitos potencializados, se não substituídos.

    Segundo Hall (2005) as sociedades modernas são marcadas por mudanças rápidas e constantes. Em oposição, as sociedades anteriores se estruturavam nas bases do passado. O moderno rompeu com a "tradição" e exigiu criação, industrialização, liberalismo, mercado, reificação, sacrifícios para a construção de utopias de um mundo supostamente melhor.

    O fim dos projetos gestados nas revoluções do século XVII e XVIII foi se dando com a fragmentação social e a aceleração do ritmo de vida imposto pela comunicação global tecnológica e pela necessidade de competição para a sustentação. “Vivemos uma modernidade desenfreada, uma modernidade hiperbólica em que não há mais limites, e tudo entra na lógica da competição econômica, em um sentido de liberalização globalizada”.

    Na hipermodernidade é difícil perceber o passado. A humanidade não deixa rastros claros. A velocidade das mudanças é vertiginosa. A geração e destruição é constante e rápida. O padrão essencial é buscar prazer e este se impõe pelo consumo. A hipermodernidade não dá tempo para a reflexão. A marca emocional deste tempo é a ansiedade.

    HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A. Rio de Janeiro. 2005.
    LUZ, F., ALENCAR, B. ECA/USP. São Paulo.
    http://www3.eca.usp.br/noticias/gilles-lipovetsky-discute-hipermodernidade-na-eca
    PEREIRA, V. Os Tempos Hipermodernos. Florianópolis. 2006.
    http://arrierodesign.com.br/pdf/critica_hipermodernidade.pdf

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  2. Segundo Lipovetsy, a angústia humana na hipermodernidade é sinal da imersão do indivíduo neste processo coletivo vertiginoso conduzido pela irracionalidade. Interpreta-se que o que se experimenta estaria contrário à natureza. É artificial, porém engloba cada um nesta lógica social perversa do hiper-tudo. A saída é agir de modo oposto: para a combater a irracionalidade, a razão.

    Diz Aristóteles que a felicidade está no cumprimento da finalidade do homem: agir conforme a razão. É para esta atividade que tende a espécie. Quanto aos prazeres, estes diferem conforme o julgamento particular. Na hipermodernidade a singularidade desorientada vivendo o zeit geist busca o prazer como o concebe, mas se afasta do bem maior que é a felicidade. “[...] o que, por natureza, é próprio para cada um, é também a cada um, a melhor e mais doce coisa. Logo, para o homem a vida conforme o intelecto, pois este é, sobretudo, o que constitui o homem. Por isso, esta é a vida mais feliz.” Afirma o filósofo de Estagira.

    Epicuro ensina a calcular o benefício da ação para verificar se ela é boa ou ruim, se o prazer que traz possui valor. “Convém, portanto, avaliar todas estas coisas, de acordo com a medida e o critério dos benefícios e dos prejuízos [...]”. Declara que a felicidade não depende do que é externo à alma, mas da disposição íntima da mesma ao atender sua essência e consequentes necessidades. “Nem a posse de riquezas, nem a abundância de bens, nem nenhuma função ou poder produziu a felicidade e a bem-aventurança: elas se obtêm pela ausência de dores, pela moderação nos afetos e pela disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza.”

    Há tentativas bem sucedidas em curso defendendo e praticando o ritmo mais lento, o consumo e a política conscientes, as relações pessoais mais profundas, o autoconhecimento. Como o movimento slow life. Soma-se a esta alternativas terapêuticas, religiosas, médicas que propõem a desaceleração e a reflexão sobre o sentido da ação com o propósito de reverter males próprios da hipermodernidade.

    ARISTÓTELES Ética a Nicômaco. Livro X.
    MONDOLFO, R. O pensamento antigo. Mestre Jou. São Paulo. 1973. p. 85,86

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  3. Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) foi um dos mais importantes filósofos do Romantismo Alemão. Segundo Fichte, temperamento, caráter e crenças levam à adoção desta ou daquela filosofia. "Que tipo de filosofia se escolhe depende do tipo de pessoa que se é." (FICHTE)

    Aceitando-se a afirmação, forçosamente se admite a não uniformidade e a não unanimidade do pensamento. As diferentes e até opostas escolas filosóficas coexistem por viverem em indivíduos e grupos com percepções variadas. Havendo verdades, isto não significa que elas serão compreendidas nem admitidas por todos, já que o critério de julgamento, ao desprezar a premissa, não chegará à conclusão. Na hipermodernidade há o excesso de diálogo, porém ele nem sempre conduz a algum entendimento válido. É mais a expressão individual da liberdade do que uma busca por por troca de experiências. Não seria o Twitter uma mostra disto? "Em uma era que dizemos pós-moderna, quando percebemos mais claramente o estabelecimento de distâncias individuais e coletivas, o Twitter carrega grande poder simbólico das práticas sociais." (FREIRE, FARIA)

    Com tanto sendo dito, a geração desorientada admite por opinião válida (confere estatus de verdade) o que lhe interessa, como afirma Fichte: a partir daquilo que se é. O resultado é uma retroalimentação que perpetua a crise.

    STÖRIG, H. História Geral da Filosofia. Vozes. Petrópolis. 2009.
    FREIRE, A., FARIA, M. Linguagem e identidade no Twitter. UFRN. Natal.
    http://www.cchla.ufrn.br/shXIX/anais/GT31/alanfreire_shXIX_anais.pdf

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  4. As razões de magnitude dos seres humanos reside no fato de sermos humanos, essencialmente humanos. Entretanto esta magnitude vem se confundindo ao longo dos tempos. Esta essência tem perdido a forma quando cedeu lugar a coisas que foram colocadas para nós como desafios, desafios aos quais deveríamos ter colocado como razão para nosso único objetivo que seria o aperfeiçoamento humano, o aperfeiçoamento de nossa raça. Infelizmente, cedemos a inveja, cedemos ao medo, cedemos a dor, cedemos ao desamor, cedemos ao consumismo e dentro disto perdemos aquilo o que de melhor tínhamos a essência humana. Tornamo-nos misantropos de nossa era. O que fazer? Talvez a resposta esteja em tantas frases celebres da humanidade como a de Chaplin em “o Último discurso” Mais do que máquinas, precisamos de humanidade; mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura! Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo estará perdido. Ou a de Mahatma Gandi: “Se eu pudesse deixar algum presente à você, deixaria aceso o sentimento de amar a vida dos seres humanos. A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo a fora. Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se repetissem. A capacidade de escolher novos rumos. Deixaria para você, se pudesse, o respeito aquilo que é indispensável. Além do pão, o trabalho. Além do trabalho, a ação. E, quando tudo mais faltasse, um segredo: o de buscar no interior de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída.” E tantas outras frases, verdadeiras egrégoras silentes como a do próprio cristo quando perguntado pelos fariseus como viria o mundo de deus, e respondeu que o reino de deus não vem com aparência exterior. Nós seres humanos estamos sendo convocados a resgatar aquilo que havia por um lapso se perdido, nossa essência, pois somente através dela poderemos dar continuidade aos preceitos divinos que nos foram doados, amar a si como ao próximo.

    Adriano Freire

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