Sua revista escolar de filosofia.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O total e o fragmentado como globalização

Bombas explodem em frente à embaixada do Irã, em Beirute, no Líbano.


O atentado deixa 23 pessoas mortas.

A ação, realizada no último dia 19, é um instrumento terrorista com finalidade política. A Al Qaeda assumiu o atentado e prometeu novos caso os xiitas do Hezbollah, ligado ao Irã, continuem ao lado do governo Sírio, contra a revolução na guerra que há dois anos pretende derrubar o presidente Bashar Al-Assad.

Diante do mundo, pelas redes de comunicação, o fato se estampa.

Este fenômeno da informação rápida e global, com o qual estamos habituados, permite uma reflexão sobre a o que Adriano Duarte Rodrigues, doutor em Linguística em Portugal, chama de antinomias da globalização.

A questão se apresenta por estar relacionada aos estudos recentes da turma SOC 0022 sobre Sociedade da Informação e do Conhecimento.

Retomando, o professor Rodrigues divide o conceito de globalização em dois.

O primeiro se refere às experiências que ele considera como comuns a todos, uma totalização das formas de relacionamento com a realidade da qual não é possível escapar, uma vez que o sujeito está imerso no universo do fato e o vive de modo paradoxal, pois o aceita livremente ao mesmo tempo em que esta vivência é imposta. Afastar-se destas experiências comuns é negar a sociabilidade.

O que há de comum a todos no atentado de Beirute?

O drama, a morte, a dor, a tensão social, a discórdia política entre outros pontos universais. Estas são experiências tradicionais da realidade percebidas em menor ou maior grau em locais diferentes e que se fundem na totalidade ao serem trocadas como informação, globalizando o sentido de experiências que sempre ocorreram e são independentes dos instrumentos tecnológicos.

As formas de sociabilidade totais, que subsistem no quadro da experiência
tradicional, têm a sua expressão no mundo da experiência vivida e a sua validade está
confinada pelas fronteiras do território comum, dentro das quais podem ser
identificadas por todos as marcas de uma mesma história comum. A sua característica
fundamental reside no facto de serem reguladas por um tipo tradicional de
racionalidade. Trata-se de uma racionalidade de natureza paradoxal, uma vez que,
apesar de ser obrigatória, impondo-se a todos de maneira incontestável, é, no entanto,
aceite por todos livremente. Pelo facto de o seu fundamento e a sua legitimidade não
dependerem das escolhas individuais, de serem implícitos, não pode ser posta em
causa por ninguém. Apesar de ser convencional, é considerada por todos como natural
e indiscutível. (RODRIGUES, 2006, p. 2)

Quanto mais universal a natureza da experiência tradicional, mais global ela é. Este modo homogêneo de experiência contrasta com a racionalidade moderna de construção da autonomia do sujeito e com ela a particularização do sentido da experiência. Segundo Rodrigues, estas duas vertentes coexistem na contemporaneidade. Por uma lado, temos a experiência tradicional comunicada e por outro, o volume informacional fragmentado em fluxo permite leituras autônomas dos fenômenos. Isto ocorre dentro da estrutura de sistema, o paradigma que molda a mentalidade comum das sociedades, da rede como suporte tecnológico que realiza a operação do fluxo e da informação como elemento indispensável do processo.

Aqui Rodrigues apresenta o segundo sentido de globalização: um processo técnico proporcionado da mediatização tecnológica da informação. Ela não anula a experiência tradicional e soma-se a ela. É o que é codificado e posto em circulação, nem sempre representando experiências totais tradicionais.

Crítica

Estaríamos globalizando o que não solucionamos?

Rodrigues sugere que compartilhamos por diversão ou camuflagem aquilo que não podemos ou não queremos solucionar.

Nossa violência? Nosso narcisismo? Nossa vaidade?

Nosso egoísmo? Nossa impaciência? Nosso hedonismo?

Nosso escárnio? Nossa sexualidade? Nossa preguiça?

Foge-se para o virtual e o abstrato quando algum obstáculo barra o êxito no real concreto?

A globalização pode favorecer, não o confronto e a procura de soluções
colectivamente debatidas, mas o individualismo irresponsável e o ensimesmamento
narcísico, de que a despolitização, o abstencionismo e a indiferença generalizada são a
face mais visível. (RODRIGUES, 2006, p. 6)

Como contraponto, pode-se argumentar que as organizações em rede permitem visualizar uma telecidadania que transborda o espaço virtual e ganha potência política real. O Occupy Wall Street, a Primavera Árabe e o Levante Brasileiro são exemplos recentes. Seria o resultado de anseios da experiência tradicional que se organizam na rede e vão às ruas buscar respostas? Entretanto, eles não anulam este efeito de afastamento e insulamento do indivíduo percebidos na atualidade.

Para vencer o caos fragmentário da informação em fluxo, segundo sentido da globalização, Rodrigues defende a necessidade de interlocutores que saibam nortear o sujeito em sua relação com a rede, exigência que "decorre do facto de a experiência globalizada ser constituída por ofertas que precedem a procura e por respostas que precedem as perguntas." (RODRIGUES, 2006, p. 7).

E neste processo, qual o papel da Filosofia?

De acordo com Rodrigues, a Filosofia tem função central e com ela, os seus professores. Eles possuem a responsabilidade de traduzir o fenômeno, interpretar sua linguagem o construir um espaço seguro de entendimento e relacionamento que permita o uso positivo da informação para a construção de conhecimento autêntico.


Mas a formação filosófica continua a ser indispensável para pensar a própria
tecnicidade que se realiza nestes dispositivos e que interfere na própria experiência,
contribuindo para a desconstrução das visões ingénuas alimentadas pelos interesses
particulares que se escondem por de trás tanto das atitudes eufóricas e tecnolatras
como das visões catastrofistas e tecnoclastas que vigoram nos actuais discursos
maniqueistas sobre a técnica. [...] Sem a mediação
de formadores e sem o enquadramento a filosofia, a informação disponível é
completamente inútil e, em vez de contribuir para a maturidade e a autonomia, corre o
risco de alimentar a alienação e a dependência. (RODRIGUES, 2006, p. 8,9)

Voltemos ao atentado de Beirute.

Podemos vê-lo com indiferença e argumentar que se trata de um fato distante, local, restrito às questões do Oriente Médio e, por mais que seja violento e dramático, pouco sensibiliza. É informação fragmentada que cumpre seu trânsito normal na mídia atual e por isto chega a nós, sem maior repercussão.




Podemos vê-lo de outro modo.

Por trás da fúria explosiva, está a intolerância política mesclada à religiosa. Há conflitos culturais e étnicos. Há extremismo espetacularizado, característico do terror.



Aqui na sociedade brasileira, quanto há de preconceito, de intolerância, de violência? 
Quais as razões de nossas incivilidades? 
As agitações sociais dos últimos meses possuem alguma característica semelhante ao terrorismo? 
Quais as soluções para certos problemas brasileiros? 

imagens: Deutch Welle, EFE, uol
RODRIGUES, Adriano Duarte. As antinomias da globalização. Coimbra. 2006. Disponível em: <http://www.apfilosofia.org/documentos/pdf/AdrianoDuarteRodrigues_Antinomias.pdf>

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