Tatata, o professor Beto, como gostava de ser chamado, já falecido, que também era um intelectual apaixonado pela Filosofia, como um dia me falou na PUCRS, disse que as campanhas nunca
teriam o resultado esperado.
Por uma razão simples.
A maior parte das campanhas educativas são fundamentadas no medo e a droga dá prazer.
O que ele propôs foi que o prazer, um bem, é maior do que o
receio do mal ou o mal de fato.
Será que as pessoas são levadas por este princípio?
Em que medida o prazer é um bem tão concreto que supera
tudo?A cultura atual estimula este tipo de busca?
Lá no passado, na história do helenismo, um filósofo ofereceu o prazer humano como o bem excelente a ser conquistado. Porém, o que foi legado a nós, sofreu distorções.
Estamos falando de Epicuro.
O epicurismo surgiu no período helenista, quando o mundo
antigo fora constituído o império de Alexandre da Macedônia. A polis grega
estava dissolvida na nova constituição política e os grandes sistemas platônico e
aristotélico que defendiam o homem-cidadão já não tinham força. O homem era
visto como um indivíduo. Já não encontrava correspondência em ser-para-o-Estado,
mas sim em ser-para-si-mesmo. Metafísicas que sustentavam a virtude pública eram
postas de lado e a administração do Estado deixava de ser uma responsabilidade
existencial, diga-se assim, para o bem de um e de todos.
Esta ideia é familiar?
Epicuro entende que a filosofia precisa propor uma saída
real e concreta para a pergunta: o que é ser feliz e como se consegue isto?
Materialista, Epicuro acredita que as sensações do corpo são
verdadeiramente reais e não um engano dos sentidos, pois o homem é um ser material e seu bem maior deve ser também material.
Este bem é o prazer.
Neste sentido, não há mundos transcendentes ou instâncias
intelectuais a serem alcançadas para o gozo de quem vive. Viver é uma presença
física em toda a sua intensidade. Se parássemos por aqui, teríamos uma série de
decorrências apontando a busca pelo prazer como o efeito desejado para a
felicidade. Logo, esbarraríamos em questões morais que indagariam se qualquer
prazer é válido.
Não para Epicuro.
Para ele, prazer e dor são estados transitórios e, como se
busca a felicidade, ela deve ter a maior duração que se consiga. O filósofo de
Samos propõe, então, que estar imperturbável é o prazer que se procura. Isto
significa que cada pessoa deve observar a si própria para compreender o que a
faz feliz deste modo, sem causar perturbações ou estados de dor.
Não vale o prazer de agora que gera o vazio depois.
“Para Epicuro, a tarefa da filosofia consistia em ajudar a
interpretar nossas pulsões indefinidas e, dessa forma, evitar planos
equivocados para a obtenção da felicidade.” (BOTTON, p. 70)
A felicidade é a ausência de dor, aponia, e de turbações,
ataraxia.
E a elas se chega por ininterrupto filosofar, por aplicar a
razão no autoconhecimento e assim evitar apegos desnecessários e fruições supérfluas
e desastrosas.
“Sendo assim, a regra moral não é o prazer como tal, mas a
razão que julga e discrimina, ou seja, a sabedoria que, entre os prazeres,
escolhe aqueles que não comportam em si dor e perturbação, descartando aqueles
que dão gozo momentâneo, mas trazem consigo dores e perturbações.” (REALE;
ANTISERI, p. 247)
Propriedades, honrarias e responsabilidades públicas, para
Epicuro, devem ser evitadas, pois afastam o homem de si mesmo e de sua
realização como indivíduo sábio e feliz. É preciso se concentrar em atender às
necessidades básicas de conservação. Isto evita dores e torna o homem rico,
pois o preserva das ambições e vaidades. Resta como laço legítimo de relação
entre os homens, a amizade, efeito de um apreço verdadeiro e desinteressado.
Vamos voltar à droga?
Enquanto certas campanhas alertam para os perigos, o
entorpecente é oferecido como promessa de prazer. É comum os epecialistas se referirem ao consumo que pode chegar à compulsividade como fruição ilimitada com intenção de perpetuar um bem que escoa.
E não é alegria e prazer o que se procura na vida? Mas não é qualquer prazer...
Não vivemos uma pós-modernidade materialista, calcada no imediato, hedonista, que cultua o sucesso, o bem-estar incondicional, a vitória pessoal, a beleza, a riqueza, o dinamismo e que pouco reflete sobre a necessidade disto tudo e os modos justos de conquistá-lo?
A droga não é uma falsa entrada neste mundo de poder?
Não é também uma fuga à perturbação, busca por ataraxia e aponia?
A droga não compensa afetos inexistentes num cenário de egoísmo e solidão?
Entra assim, o entorpecente, na lista das coisas
dispensáveis, nocivas e viciantes que atormentam a existência humana. Resultado
de carências e ignorâncias que diferentes saberes se aplicam em combater. Todavia, a
barreira está na reflexão pessoal de cada um, nem sempre feita com
profundidade, sobre as consequências dos atos voluntários.
É um problema de consciência, logo, do indivíduo e sua complexidade emocional e sua racionalidade. A ele é que o epicurismo se dirige.
A droga sem prescrição médica, para a satisfação vã e um risco potencial seria condenada por Epicuro como
foram vários abusos. Contudo, o filósofo é erradamente tomado por
licencioso.
“Faze a seguinte interrogação a respeito de cada desejo: que me acontecerá se se realizar o que quer o meu desejo?” (MONDOLFO, p. 86)
Em seu Jardim, ele cultivava a vida simples, lúcida, entre amigos.
Em horas de conversas agradáveis, como aquela que originou
este post.
BOTTON, Alain de. As consolações da filosofia. Porto Alegre:
LP&M, 2012.
MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo. São Paulo: Mestre
Jou, 1973.REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: antiguidade e idade média. São Paulo: Paulus, 1990.
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