Sua revista escolar de filosofia.

terça-feira, 17 de março de 2015

Moralismo à inglesa?

Na Inglaterra, três juízes foram expulsos da magistratura e outro pediu demissão do cargo para não ter o mesmo destino.

A razão da pena imposta aos magistrados foi por eles terem acessado conteúdo pornográfico durante e no local de trabalho, segundo o jornal espanhol El País.

Uma investigação apurou os fatos relacionados à conduta dos juízes e entendeu que, apesar de não ter sido ilegal e de nem mesmo a pornografia acessada ser ilegal, o comportamento deles foi considerado inaceitável para quem exerce a função.


Você pode pensar e chegar à conclusão de que a medida foi correta.



Afinal, eles são magistrados, devem honrar as atribuições públicas a eles confiadas e jamais traí-las por interesse próprio, nem macular a imagem representativa de probidade e lisura de suas figuras. Se for permitido acessar uma pornografia aqui e outra lá, quem sabe não se está sendo licencioso para com maiores corrupções dos costumes e das funções?

No entanto, pode ainda restar uma sensação de injustiça... De desequilíbrio entre a ação e a consequência.

Você sente?
Seu senso moral sugere isto?
Ou não?

Sinal da cultura brasileira, mais permissiva, influenciando o julgamento?

A conduta deles não pode ser aprovada.
Mas, deve ser reprovada com a perda das funções?

A Inglaterra é um país liberal, porém, seus costumes foram moldados com a rígida moral vitoriana que, entre outros hábitos, promoveu repressões duras à sexualidade no Reino Unido.

Num ambiente conservador e tradicional como a corte judiciária a repressão é característica que pode ainda se manifestar como traço ativo da cultura.

Vale lembrar que a moral se relaciona aos valores da conduta que dividem bem do mal e possuem caráter histórico, transitório e restrito, diferente da ética, que dela se abastece e de alguma forma se equivale na origem, mas que, enquanto ciência da moral, pretende estabelecer normatizações universais do comportamento.

Os juízes incorreram em uma falta ética que parece ter sido julgada sob parâmetros morais.
Ou mais do que isto...

Não se trata, devido ao aparente exagero, de moralismo?

Como você sabe, moralismo é entendido como excesso de moralidade quando se toma o valor moral em si mesmo como absoluto, sem levar em consideração nos juízos as relações entre a ação, as circunstâncias do contexto e a norma moral.


No moralismo, a moral é elevada à condição de lei sob a qual não se pode transigir. Está absoluta e acima do homem que a ela deve se curvar.


Será mesmo?
Não há que se relativizar e entender a humanidade da ação?

"[...] é um formalismo ou conformismo moral que tem pouca substância humana." ABBAGNANO, Nicola.

Ou como diz Nietzsche,

"Não existem fenômenos morais, mas interpretações morais dos fenômenos." (Além do Bem e do Mal, fr. 108)

Então, a interpretação da comissão a respeito da conduta dos juízes e a punição adotada são equivalentes com a gravidade do ato?

Lembre-se de que, se nos achamos mais flexíveis e tolerantes a questões como esta no cotidiano, no âmbito profissional a conduta deve ser observada e conformada à organização para a qual se trabalha.

Políticas de T.I. e códigos de ética podem vetar o acesso a certos sites e regrar outras atitudes punindo, até severamente, os infratores, mesmo que sejam colaboradores capacitados e estratégicos.

Depende a cultura, certo?
Errado?

O que você acha?

link: El País
imagens: público/internet, poiesispsicologia, itabunaurgente

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Razão para ter fé?


Sou muito racional para crer em Deus.

É o que muitos costumam dizer e com isto separam , como dado revelado, de ciência, dado empírico racionalmente metodizado.

No entanto, as provas da existência de Deus são racionais. Elaboradas rigorosamente lógicas, elas sustenta-se, em última instância, no racionalismo como base do conhecimento. Quer dizer que uma epistemologia sensorial remete ao ceticismo, já que os sentidos enganam. Tanto é que a ciência muda.

Você conhece o falibilismo e o pensamento de Karl Popper? 

Voltando ao assunto em questão, sob o ponto de vista do racionalismo, algo, para ser verdadeiro, precisa suportar o exame da razão sem ser falseado, sustentando como verdade da razão não sujeita às alterações que dão ao concreto, base do empirismo, aparências de realidade definitiva. A realidade concreta é mutável, transitória. Portanto, move-se sujeita ao tempo.
 
Sob a perspectiva do racionalismo, os conceitos de finitude e infinitude vão guiar Descartes a elaborar sua prova ontológica.

Um ser finito como o homem possui ideias de seres finitos, isto significa que alguns deles existem fora da mente. Porém, a ideia do infinito não é a representação de algo existente no mundo das coisas finitas, o real, mas, ela está no homem. Sendo o finito tomado por negação do infinito pelo princípio lógico de que aquilo que pode o mais pode o menos e não o contrário, deve haver algo infinito, pelo menos um que seja existente e confira realidade à sua ideia. A infinitude é o predicado que totaliza todos os outros do que se chama Deus: infinitamente bom, poderoso, etc. Então, Deus, de realidade essencial pensada é admitida como realidade ontológica, existente.
 
 “[...] Deus existe; pois, ainda que a ideia de substância esteja em mim, pelo próprio fato de eu ser uma substância finita, eu não teria, todavia, a ideia de uma substância infinita, eu que sou um ser finito, se ela não tivesse sido colocada em mim por uma substância que fosse verdadeiramente infinita.” (Meditações Metafísicas, 3ª)
 
Tipo, se você pensa em Deus, o representa conceitualmente, é porque ele existe em algum lugar e a ideia dele no ser pensante é sinal de um contato intuitivo entre o sujeito e o objeto que vem exposto pela via racional.
 
Descartes diz que a ideia de Deus é como uma marca deixada pelo criador no criado.
 
Isto parece lógico para você?
É possível acreditar nisto?
Por quê?
 
O argumento cartesiano vai ser amplamente problematizado na modernidade.
 
 
imagem: filosofósforos/facebook/internet




segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Dá no que pensar

Você aprova a política da sua comunidade democrática?

A democracia é um contrato político e jurídico entre os integrantes de uma sociedade para a constituição do seu Estado.

De origem liberal, as democracias modernas garantem direitos relacionados à vida, à liberdade e à propriedade, fundamentalmente naturais.

Sem entrarmos além nas descrições dos regimes democráticos contemporâneos, que pode ser longa e muitos já conhecem, o que queremos propor é um pequeno paralelo entre a situação política de algumas sociedades livres e a crítica de Thomas Morus, autor da Utopia.

Seu pensamento apontou as arbitrariedades cometidas pelos governos que exploram a coisa pública e denunciou abusos que vão das monarquias às repúblicas. Mas, não sem contradições.

A principal causa da miséria pública reside no número excessivo de nobres, zangões ociosos, que se nutrem do suor e do trabalho de outrem [...] (Livro 1, p. 10).

Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para a virtude, e, vós as matais, quando, tornadas homens, cometem os crimes que germinavam desde o berço em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los. (Idem, p. 13).


"[...] é necessário observar não só as convenções privadas entre simples cidadãos, mas ainda as leis públicas, que regulam a distribuição das comodidades da vida, em outros termos, que distribuem a matéria do prazer, quando estas leis foram justamente promulgadas por um bom príncipe, ou sancionadas pelo consentimento geral de um povo, nem oprimido pela tirania, nem embaído pelo artifício. A sabedoria reside em procurar a felicidade sem violar as leis." (Idem, p. 46).

A obra provocadora enverada pela política, pelo direito, pela economia, pela administração, pelo urbanismo, pela religião, pelos costumes e propõe um sistema onde a justiça social se dá pela comunhão geral dos bens e da participação na gestão do Estado, porém, com o controle total deste sobre os cidadãos para a manutenção da ordem e da igualdade. É uma semente tanto do comunismo quanto da democracia socialista.

"Lá todos são felizes porque não há propriedade privada, que só causa desigualdade e sofrimento. [...] O problema é que não há liberdade na Utopia." (RIBEIRO, 2007, p. 14)

Ganância e exploração; privilégio e desvantagem; autoridade e opressão; autonomia e heteronomia; indivíduo e coletividade, igualdade e desigualdade; justiça e injustiça; liberdade e servidão... Difícil balanço.


Há algo de Morus que se aplica a sua maneira de perceber a política da sua sociedade e de alguma outra de seu interesse?

Dá no que pensar, não?

MORUS, Thomas. Utopia. Ed. Ridendo castigat mores. www.virtualbooks.com.br
RIBEIRO, Renato Janine. Quase quinhetos anos de utopia. Filosofia: ciência e vida, n. 10, ano 2007, p. 14-15.  
imagens: utopia.vogedascht, robtshepherd

sábado, 24 de janeiro de 2015

Muito prazer

O verão é um período dionisíaco.

Se vive o corpo e com ele as sensações.

O verão é um momento estético.

Em nome do descanso, as pessoas, de modo geral, relaxam as regras. Ou seja, deixam de lado a racionalidade que normatiza a conduta. Reduzem o intelecto e intensificam a experiência sensorial.

Exageros, nesta época, são tolerados mais do que em outras fases do ano por se instalar um pacto tácito de que é preciso fruir o prazer antes que a chance acabe. Uma dose de pressa agita a perseguição a esta felicidade passageira.

Alegria efêmera resultante de comportamento mais hedonista.

Comer além da conta, beber demais, se expor ao sol, desejar aventuras sentimentais, fazer toda a atividade esportiva acumulada, dormir até cansar, ficar acordado até não aguentar, festejar por qualquer motivo, cultivar euforias, etc.

É bom sentir alegria e o prazer é uma necessidade.

Mas, é ele, o prazer sensorial, o Bem humano?
É por ele que se vive?
As ações são movidas em busca de prazer?
O prazer, como fim, justifica os meios para obtê-lo?
Pode haver algum prazer além do experimentado como sensação física? 

Platão dedicou o diálogo Filebo a investigar o lugar que o prazer ocupa na vida humana e sua relação com a felicidade. Para o filósofo, a vida ideal e portanto boa é aquela onde se misturam em proporção harmônica o intelecto e o prazer. Não se pode viver, enquanto humano, uma vida de pureza intelectual, o que retiraria a sensação, nem de puro prazer, o que excluiria a razão.

"Platão sustenta que o Bem pode ser encontrado na vida mista, e mais provavelmente, quando existe uma mistura bem-feita de prazer e sabedoria." (MACIEL, 2002, p. 246)

Mas, qual a mistura que se pode considerar satisfatória? 
Nada fácil responder...

No entendimento da medida justa entre as partes intelectual e prazerosa Platão propõe que o intelecto oriente a conduta na seleção dos prazeres afastando os falsos e exagerados que podem se constituir modos violentos de satisfação, prejudiciais ao homem e preferindo os verdadeiros conforme o ideal de virtude.

A obra trata de analisar o tema sob as perspectivas práticas do bem resultante da realização da essência humana ou a partir de um motor da ação, no caso, o prazer.

Então, o que justifica os excessos do verão?




Ah! Vem aí o carnaval...






MACIEL, Sonia Maria. Ética e felicidade: um estudo do Filebo de Platão. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.

imagens: arte2b, skoob, gabriel rangel
link: a filosofia

sábado, 27 de dezembro de 2014

O que nos iguala aos animais?

Livre.

Um orangotango do zoológico de Buenos Aires, na Argentina, recebeu um habeas corpus da justiça.

Isto mesmo!

Ele foi proclamado livre e vai ser trazido para o Brasil onde viverá em liberdade parcial. Uma decisão tratada como inédita.

Ou seja, o judiciário entendeu, neste caso, que o animal é sujeito de direitos e de um em especial, caro à humanidade: a liberdade. Não se trata da aplicação de um código de defesa animal já expresso, mas do reconhecimento de direito. A medida representa um avanço significativo no campo ético.




Ou não?

Lembram de Peter Singer?

 A postura ética utilitarista do filósofo é em defesa da satisfação em vida, minimizando dores e maximizando o bem-estar. Princípio que se estende aos animais não racionais.



"A igualdade é uma ideia moral, e não a afirmação de um fato. [...] Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para recusar ter em conta esse sofrimento. [...] Se se justifica que assumamos que os outros seres humanos sentem dor como nós, há alguma razão para que uma inferência semelhante seja injustificável para o caso dos outros animais?" Peter Singer - Libertação animal

 

Então, você se considera diferente e nisto superior a um animal no que se refere à dor?
A dor é referência suficiente para justificar ações éticas e legais em defesa dos animais não racionais?

O debate implica reflexões a respeito da relação global entre humanos e animais, os selvagens, os domésticos e os de corte.


link: Globovisión
imagens: Corbis, noticiaspecuarias

 

domingo, 14 de dezembro de 2014

Trabalho acadêmico: A aprendizagem como um processo individual e coletivo

Postei no meu outro blog, o Capinando, uma reflexão sobre os rumos recentes de alguns sistemas de ensino no Brasil, no caso, o da rede estadual do Rio de Janeiro.

O texto compartilha opiniões do professor de Jornalismo Cristiano de Sales e foi publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Vale a pena ler, pois aponta uma tendência política para a educação que não está restrita ao Rio. A crítica surgiu a partir da publicidade e mostra o quanto a comunicação reproduz significados da estrutura. Se eles não são bons, afetam a todos e modo prejudicial.

Como objetivo maior, a lei brasileira orienta para uma formação cidadã do aluno, como sempre repetimos. No processo de ensinar e aprender, lida-se com sujeitos e padronizar metodologicamente o ensino é um caminho que já se mostrou autoritário, controlador e pouco democrático.  

Para contribuir com a análise a partir do ponto de vista de Sales, trago aqui um texto produzido para a pós-graduação.

Veja se gosta!


A APRENDIZAGEM COMO UM PROCESSO INDIVIDUAL E COLETIVO

Charles da Silveira Dalberto
Professora Denise Voltolini
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI - PÓS
Pós-graduação em Docência no Ensino Superior – Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem 01/06/2013

Estudantes de uma mesma disciplina podem variar no desempenho escolar. Isto ocorre porque o processo de aprendizagem diverge e indivíduos diferentes aprendem de modo distinto, onde a relação aprendiz/conhecimento se dá sob a interferência das características pessoais do aluno, de seus valores culturais e aptidões cognitivas e também da maneira como o professor interfere positiva ou negativamente na construção do saber. Pelo lado dos alunos, o processo cognitivo resulta de variantes que vão desde os aspectos biológicos aos sociais.

Sobre os primeiros, cada período da vida é marcado por fases do amadurecimento intelectual e emocional que determinam o modo como cada pessoa apreende as informações do meio e as elaboram em si mesmas transformando-as em conhecimento e na consequente aprendizagem. É o que estudam ciências como a neurociência e a psicologia aplicada à aprendizagem. Com o auxílio das observações realizadas por estas áreas, pode-se compreender melhor a maneira como se aprende. De que forma os estudantes executam seus métodos próprios de investigação, o que se chama de estilos cognitivos. Dois grupos básicos podem ser apontados: o daqueles que procuram o saber, sendo ativos e independentes, levados por estímulos internos a formular o conhecimento de modo construtivo, reelaborando esquemas que permitem a transformação necessária para o aprendizado; e o dos estudantes com perfil de maior dependência externa, ou seja, passivos ao conhecimento transmitido e aos estímulos do meio, mais inclinados a respostas programadas, reforçadas pelo agente transmissor do saber, no caso, o professor ou instrutor. Da parte de quem ensina, é fundamental entender quais as principais variáveis que interferem na aprendizagem. Um professor ciente das teorias cognitivas pode intervir com maior eficácia no processo pedagógico com o objetivo de proporcionar aos alunos um desenvolvimento harmônico do ensino, levando-os à meta, que é o saber. Ao trabalhar com alunos de estilos cognitivos diferentes, o professor pode usar como ferramentas as teorias de aprendizagem.
 
Úteis, elas orientam na adoção de técnicas didáticas e ainda ajudam aos próprios aprendizes a se autoconhecerem melhor, proporcionando descobertas que podem conduzir à automotivação pelo prazer do estudo e à metacognição, por exemplo, para uma relação mais livre e produtiva com o trabalho de estudo. Como caso específico, pode-se citar uma aula de Jornalismo para o Ensino Médio de uma escola pública onde se trabalha o perfil editorial de diferentes jornais impressos. O professor pode propor que os estudantes avaliem as notícias políticas de alguns veículos de comunicação indicados por ele. Na instrução, pode orientar os estudantes a perceber a carga editorial presente na estrutura do texto e na seleção das imagens fazendo uma análise semiológica. Porém, o professor consciente da realidade social de seus alunos e dos interesses predominantes na faixa etária, pode traçar limites flexíveis quanto à editoria escolhida. Em vez de impor a análise do conteúdo político do noticiário, o professor pode abrir espaço que para os próprios estudantes tragam também exemplos de reportagens de assuntos de interesse deles para que sejam comparadas. A estratégia tem como função ser estimulante e criadora de motivação nos alunos para a leitura crítica daquilo que os atrai na comunicação. Pode ser indutora do crescente apetite pelo consumo de notícias ao mesmo tempo em que aumenta a independência de campo dos estudantes e reforça o lócus de controle interno, características importantes para a carreira profissional futura destes alunos.

Esta postura libertária faz do professor um agente transformador por meio da educação, na medida em que assume a identidade do educador progressista, como afirma Freitas (2001). Nesta perspectiva pedagógica identificada coma construção do saber, o educador é um interventor no sentido positivo do termo, pois ele conduz seus alunos à libertação como indivíduos, orientando-os a estar no comando de suas próprias capacidades para que assim construam a si como cidadãos conscientes, inteligentes, emocionais, éticos e socialmente participativos e úteis. O aprendizado não ocorre no indivíduo se ele estiver sozinho. Sem entrar na discussão a respeito da existência ou não de conhecimentos inatos, o que se observa é que o homem repete o que aprende na medida em que se repete criando hábitos. Mas nunca de modo estanque. Por esta razão há o progresso humano. Aquilo que se conhece não é suficiente para saciar a curiosidade e a necessidade de resolução de problemas que surgem como o oposto do saber, ou seja, a resposta a um problema é um mistério até ser descoberta ou inventada. Assim, de um determinado patamar do conhecimento, migra-se para outro superior provocado por questões que desafiam o próprio conhecimento e sua aplicação, num processo dialético como defendeu, entre outros, Hegel. (STÖRIG, 2009). Deste modo, a interação entre os estudantes e seus pares e entre eles e o professor é imprescindível para que haja avanços no aprendizado. Uma vez que as pessoas são diferentes, por seus valores intrínsecos elas elaboram interpretações variadas sobre estímulos extrínsecos e chegam a novos significados sobre a realidade. Desta dinâmica nascem pontos de vista inovadores e ideias que podem ressignificar conceitos antigos e promover a reconstrução dos saberes, fazendo com que o avanço ocorra e, com
ele, as mudanças trazidas pela aprendizagem. Segundo Gadotti (2007, p. 13) “A diversidade é acaracterística fundamental da humanidade. Por isso, não pode haver um único modo de produzir e reproduzir nossa existência no planeta.” Aprender é, assim, um processo compartilhado entre o indivíduo e a coletividade com participação determinante da escola.

REFERÊNCIAS
GADOTTI, Moacir. A mudança está conosco. FILOSOFIA ciência & vida, ano I, n 10, p. 6-13, 2007. Entrevista concedida a Faoze Chibli.
FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Pedagogia da conscientização: um legado de Paulo Freire à formação de professores. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
STÖRIG, Hans Joachim. História geral da filosofia. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.


 

imagem: laparola.com.br

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Isso muda o mundo

Uma das narrativas publicitárias é associar marca a ideias.

Não se vende o produto e não se fala, portanto, em preço.
Se oferece uma coisa conceitual, um jeito de pensar, de ser.

Um estilo de vida.

Com isto, reserva-se mercado aos consumidores que se identificam com o signo que é o argumento da campanha comercial. Marcas de cigarros sempre venderam liberdade. Enquanto podiam, no caso do Brasil. Montadoras de veículo vendem sensações de aventura, de conforto. Bancos nunca falam o valor de suas taxas e para uns isso muda o mundo.

E por aí vamos nós.

O significante não tem como significado a própria função do produto, mas um outro valor a ele associado e que induz ao consumo.

Quem lembra, por exemplo, daquele comercial de supermercado com aquele jingle

"O que você faz pra ser feliz?"

Ele tem uma mensagem simples e que todos sabem: satisfaça seu desejo. Mas isto não é comprar pão quando se está com fome, somente. É comprar naquela rede, ser uma das pessoas que faz alguma coisa para ser feliz e se diferencia de todas as outras encontrando nisto a satisfação de ser alguém diferente.

 
De ser um indivíduo.

Moderno, não?

O problema é que os desejos, mesmo estes ideológicos ou narcisísticos, são insaciáveis enquanto impulsos da vontade. Atendeu um, apareceu outro. Comeu hoje, tem fome amanhã. Se sentiu bonito hoje, amanhã precisa de novo. Se viu socialmente superior, semana que vem precisa sustentar o status.

Afinal, s
er feliz é atender à vontade ou realizar algo conforme o objetivo maior pelo qual se vive?
Há um objetivo, uma finalidade acima de todas as outras para a vida humana?

Tomás de Aquino
, amparado em Aristóteles, afirma que a felicidade está relacionada com a atividade própria da essência humana, que é conhecer.


"Se o fim de alguma coisa é algo exterior, também se denominará fim último aquela operação pela qual ela conseguirá alcançá-lo. Assim, daqueles para quem o dinheiro é o fim, se diz que a posse do dinheiro é o fim e não simplesmente amá-lo ou desejá-lo. Ora, Deus é o fim último da substância intelectual. Por isso a bem-aventurança ou felicidade do homem deverá consistir naquela operação específica na qual atinge a Deus. Ora, esta operação é o ato de entender, pois não podemos desejar o que não entendemos. Logo, a perfeita felicidade do homem consiste substancialmente em conhecer a Deus pelo entendimento e não em amá-lo." (Suma contra os Gentios, L.III)


Conhecer a realidade em grau máximo e adquirir a sabedoria plena. Isto é ser feliz e não atender a impulsos, segundo o escolástico.

E o que se faz todos os dias em busca de alegria?

Se busca o prazer.
Que dá e passa.

"[...] pois sem atividade não se produz prazer, e o prazer torna perfeita toda a atividade", diz Aristóteles no livro X da Ética a Nicômaco.

A felicidade pressupõe a manutenção de um estado de conforto que realiza o ser segundo sua essência. No caso do ser humano, sua substância, sua essência é ser intelectivo, é usar a inteligência e por meio dela conhecer, "para o homem é a vida conforme o intelecto, pois este é sobretudo, o que constitui o homem. Por isto esta é a vida mais feliz" (Ibidem).

Vamos voltar ao texto de Tomás de Aquino.



Ele também não parece meio herético diante do discurso teológico que algumas religiões destacam de amor a Deus? Tomás de Aquino foi revolucionário no século XIII e seu pensamento ainda provoca controvérsias ao aliar razão natural filósófica com razão sobrenatural revelada, o que modernidade tratou de dissociar alegando incompatibilidade, já que uma é crítica e outra dogmática.

Falar conceitualmente em Deus, em fim último ao qual o homem tende, etc, também não parece fora de moda?


O intelectualismo aristotélico e o tomismo, entre outras correntes filosóficas de concepção idealista se chocam com pensamentos que deslocam para a estética o princípio da realidade possível a ser experimentada pelo homem, ser sensorial.
Se o corpo é início e fim de tudo, atendê-lo é que é a felicidade, não ao intelecto, que é apenas parte do corpo, função do cérebro e não a substância humana.

Não parece mais com o pensamento predominante hoje?
Difícil, não, conciliar razão e sensibilidade?

O que é fácil de perceber é que n
a lógica antropo-ego-cêntrica e niilista do materialismo contemporâneo o sujeito é fim em si mesmo e o prazer é a felicidade, imediatamente, já ou nunca.Tudo a ver com o consumo.

Então, o
que você faz pra ser feliz?

imagens: geekpublicitário, montfort, makeoverday

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Sempre, às vezes, nunca

Podemos ter uma breve reflexão sobre teologia e filosofia em uma frase?

"Deus perdoa sempre, os homens às vezes e a Terra nunca."


A declaração foi dada pelo Papa Francisco na Segunda Conferência Internacional sobre Nutrição, em Roma, há uma semana, ao falar sobre sustentabilidade. Disse o pontífice que a frase não é dele, mas de um "sábio ancião".

Que sabedoria estaria guardada na sentença?

Podemos dividir o assunto em três tópicos:

1 - Deus perdoa sempre. Na hipótese de existir Deus e de ele ser conforme a definição cristã, o perdão divino é ilimitado porque expressa o amor ágape, incondicional e motor da ação divina criadora e mantenedora da realidade. É transcendente e livre.

2 - Homens perdoam às vezes. O homem, síntese de espírito e matéria, é essencialmente imperfeito. Seu distanciamento do divino está na sua natureza ontológica. Como ser biológico, está sob leis necessárias. Como ser espiritual, é livre. O mal moral expressa vício, ignorância e egoísmo e o mal físico se deve à ligação com a materialidade, corruptível, transitória e limitadora, numa noção agostiniana. Mas o homem é capaz de agir com grandeza moral ao superar os condicionamentos naturais humanos, tornando-se livre na ação do dever prático, em linguagem kantiana.


3 - A Terra nunca perdoa. Ente inconsciente e determinado, o planeta segue princípios mecânicos. Não possui vontade e não pode refletir. Sob a ótica newtoniana, a natureza reage ao que a ela é feito. Entes inconscientes não são livres para tomar decisões e existem sob leis necessárias.




Você acredita que possa ser assim?


link e imagem: TN, odiarioverde

domingo, 19 de outubro de 2014

É feliz e pronto

Diante das incertezas da vida, precisamos de estímulos positivos algumas vezes.

Ter um pensamento otimista que nos faça avançar sobre barreiras e sermos pessoas realizadas.
Um mercado gigantesco de literatura voltada a oferecer fórmulas de sucesso prontas movimenta a venda de livros, por exemplo. Segundo uma projeção no início deste ano da Câmara Brasileira do Livro, o segmento da autoajuda tem sido uma das apostas editoriais para 2014.

Contudo, que tipo de sabedoria há na autoajuda?
É discutível, pra lá de discutível.

Vamos ver uma típica frase que serve de motor emocional e avaliar o que ela contém.

Diz o cartaz eletrônico que "a esperança é a única coisa mais forte que o medo".

É positiva, propõe uma reflexão sobre a necessidade de se ter esperança para ir adiante.

Porém, será que a sentença é uma verdade válida?

Spinoza, na terceira parte da Ética, capítulo chamado A origem e a natureza dos afetos, analisa a relação entre esperança e medo e chega a uma conclusão diferente do poeta que elaborou a arte aí acima.

Para o filósofo, esperança e medo são inseparáveis.

Se unem pela dúvida. A alegria esperada ou o sofrimento temido são possibilidades abertas nestas duas emoções instáveis. A esperança traz consigo o medo do fracasso. Com ele em baixa, ela se torna confiança e alegria. O medo vem acompanhado da esperança do sucesso. Se ela declina, ele se transforma em desespero.



A esperança quer derrotar o medo. O medo quer vencer a esperança. Mas, não podem, já que um contém o outro. A oscilação ente ambos é inversamente proporcional. A esperança elevada reduz o medo e vice-versa.

O que pode superá-los é a certeza.

Se você tem a certeza da tristeza e nada mais pode fazer, conforma-se. É infeliz sem contorno da situação. Contudo, ao estar conformado, deixa também de temer, pois o pior já está consumado. Nesse estado pode-se encontrar estabilidade.

Se você está certo da alegria e que nada pode tirá-la de você, então, é feliz e pronto.
Não precisa temer que este afeto tenha fim, pois pode garanti-lo a si próprio sua continuidade, o que também é estável.

A certeza elimina as oscilações entre esperança e medo e produz segurança.

De acordo?
Quais são as suas certezas?

imagens: novotempo, keepcalm.uk, kdfrases
link: dci

sábado, 18 de outubro de 2014

A mulher do outro

Em alguns lugares do planeta, neste momento, algo trágico acontece.

Ou é realizado.

Aquilo que acontece, é fatalidade, não é previsível ou controlável. Na Itália, o excesso de chuva dos últimos dias já matou algumas pessoas. Este é um exemplo.

Como o ebola, que avança no continente africano, na Europa e nos Estados Unidos.

Aquilo que é realizado é voluntário.

A sangrenta batalha em Kobani, na Síria, entre forças curdas, com apoio turco, sírio e norte-americano contra terroristas do Estado Islâmico segue fazendo vítimas. Outros conflitos na região também matam.

Isto preocupa você?

Comove?

Provalmente, por estar longe do Brasil, os problemas nacionais sejam mais impactantes.
Ainda mais, as questões próximas ao círculo de convívio de cada um. Isto é natural.

Mas, por quê?

Bom, a psicologia, pode dar uma resposta às reações humanas a estes estímulos. Outras ciências também podem.

Contudo, a intenção aqui é trazer a reflexão de Epiteto, filósofo estoico, para uma forma comum de reagirmos às fatalidades ou às circunstâncias que, deliberadas ou não, ferem nossos interesses.

Epiteto diz:

"Podemos conhecer a intenção da Natureza por meio das coisas em que não temos interesse algum... Falece a mulher ou o filho de outro? São casos humanos. Morre nosso filho ou nossa mulher? Logo então gememos e exclamamos: ai de mim! Conviria, pois, recordar o que fizemos nos mesmos casos, quando se tratava dos outros." (Manual, 26)

É possível ser racional em questões tão sentimentais?
Pode-se encarar as tragédias pessoais com esta serenidade?
O que diriam se perdas pessoais fossem tratadas com indiferença?
Importa o que diriam?

Para o estoicismo, a ataraxia ou serenidade é uma estado anímico desejável. Revela sabedoria e controle sobre si mesmo, ou seja, autarquia. A dor psicológica é resultante de ignorância. É efeito de não compreender que a realidade é regida por força superior à humana e por esta, incontrolável.

A intenção da Natureza, no dizer de Epiteto, se revela quando não estamos envolvidos na ilusão de posse e controle da realidade e das coisas, como quando criamos laços afetivos e tentamos cristalizar o real, o ser, detendo-o.

A realidade é impermanente.
Esta é a metafisica: tudo está em constante mudança.

E nós, nada podemos contra isto, a não ser aceitar e não se perturbar.

Esta é a paz.

Você concorda com os estoicos?


MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo. São Paulo: Mestre Jou, 1973.
fontes: Euronews, Público
imagens: Reuters, wikipedia